Lei mudou em janeiro e Algarve responde por maioria das infrações. Particulares cedem e alugam terraços e quintais para autocaravanistas pernoitarem através da Internet.
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Desde o início do ano, a GNR e a PSP já passaram 133 multas a autocaravanas por pernoitar ou aparcar em sítios proibidos. Destas infrações, mais de uma centena foram no Algarve, zona do país onde entram, anualmente, milhares de veículos. A interdição, introduzida a 8 de janeiro no Código da Estrada, está a ser revista no Parlamento, mas os amantes do turismo itinerante encontraram alternativas: na Internet, há particulares a ceder e a alugar espaços nas próprias casas, terraços e quintais, para os autocaravanistas pernoitarem (ler reportagem abaixo).
Ao abrigo das novas regras do Código da Estrada, a GNR detetou 127 autocaravanas a pernoitar ou aparcadas fora dos locais "expressamente autorizados para o efeito". A PSP registou seis infrações. A larga maioria das multas emitidas pelos militares, que atuam nas zonas mais rurais, foi no distrito de Faro, com um total de 102 situações. Seguiram-se o distrito de Beja, com 10 casos, e o de Setúbal, com 9. Estas infrações levaram a aplicação de coimas no valor total de 7620 euros.
A PSP, que opera nas áreas urbanas, registou seis infrações (não especifica locais), que valeram 360 euros. Os dados constam da resposta do gabinete do ministro de Estado e da Economia a uma pergunta do Grupo Parlamentar do PS.
Reservas online
A proibição foi introduzida no Código da Estrada, porque, em "determinadas zonas do país, registaram-se episódios de ocupação excessiva e desordenada de espaços públicos, zonas costeiras e áreas classificadas por autocaravanas e similares", explica o gabinete do ministro Siza Vieira.
O objetivo foi "prevenir situações com consequências negativas na paisagem, no Ambiente, no Ordenamento do Território e na Saúde Pública, sancionando, especialmente, a pernoita ou aparcamento em espaços ambientalmente sensíveis, como as áreas da Rede Natura 2000 e as áreas protegidas", acrescenta.
Cinco partidos promoveram, porém, projetos de lei para alterar o Código da Estrada, considerando, no geral, que prejudica um setor em crescimento e que as áreas protegidas já estão salvaguardadas na lei. Foram aprovados no dia 28 em plenário no Parlamento e desceram à especialidade.
O Governo assegura que está a tentar "aproveitar as potencialidades deste segmento do mercado turístico", que atrai milhares de pessoas a Portugal todos os anos. O Turismo de Portugal desenvolveu o programa Autocaravanismo Responsável e está a criar uma rede nacional de áreas de serviço para autocaravanas que prevê 84 novos locais para dar "resposta à procura crescente". Também foi criada a Outdoor Routes, uma plataforma gerida pela Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal, através da qual é possível encontrar informações sobre as áreas de serviço para autocaravanas e os parques de campismo e caravanismo que se registarem no portal e efetuar reservas de lugares online.
O Turismo de Portugal está, acrescenta o Ministério, a "desenvolver um trabalho conjunto com os municípios" para encontrar soluções de estacionamento alternativo, que "viabilize a deslocação e frequência" dos autocaravanistas a praias e a centros históricos, quando seja proibido o estacionamento de autocaravanas naqueles locais.
Pormenores
Milhares de viaturas
De acordo com Manuel Bragança, presidente da Federação Portuguesa de Autocaravanismo, entram em Portugal, anualmente, "250 a 300 mil autocaravanas" (dados anteriores à pandemia). A grande maioria chega pelo Algarve, região onde foram denunciados vários excessos antes da alteração ao Código da Estrada e onde se verificaram, desde a mudança da lei em janeiro, a esmagadora maioria das infrações.
Países de origem
A maioria dos autocaravanistas que visitam Portugal é de Espanha, de França, da Alemanha, da Holanda, da Noruega, da Suécia e de outros países da Europa.
REPORTAGEM
Fiscalizado por deixar estacionar no terreno particular
Rui Polónia cede espaço particular para estacionamento de autocaravanas.
Texto: Erika Nunes
A alteração ao Código da Estrada, a proibir a pernoita em autocaravanas na via pública e fora dos locais onde tal é expressamente autorizado, como parques de campismo, criou um problema a quem necessita de deslocar-se nesses veículos e encontrar locais autorizados para estacionar. Os particulares adeptos do autocaravanismo disponibilizam terrenos particulares, quintais e espaços nas próprias casas, a título gratuito em muitos casos. Mas tal nem sempre tem sido isento de problemas com as autoridades.
Rui Polónia, 51 anos, já nasceu com o "bichinho" das autocaravanas. "Já andava numa carrinha "pão de forma", na barriga da minha mãe", brinca o residente de Vila Nova de Gaia. Hoje, tem uma autocaravana, a mulher e o filho têm cada um a sua e o pai também guarda o veículo pessoal no terreno de mais de três mil metros quadrados da casa de Rui Polónia, em Vilar de Andorinho. Um amigo, que possui um stand de autocaravanas, pediu para ali estacionar outras duas; o mesmo fez outra amiga.
Pernoitar só no chão
"Eram dez autocaravanas, mas tenho espaço e não estava cá ninguém a pernoitar, ainda que não veja como é que isso incomoda alguém, no meu terreno particular", explica Rui Polónia, surpreendido esta semana por uma "inspeção da Câmara" a um alegado parque de autocaravanas ilegal.
Os fiscais verificaram a propriedade dos veículos e a ausência de ocupantes, ainda assim "avisaram que estava sujeito a uma coima até cinco mil euros" se fosse o caso de, realmente, estar a permitir o aparcamento e a pernoita das autocaravanas na propriedade que adquiriu há dois anos.
"Mostrei tudo sem receio, pois não tenho nada a esconder. Mas isto é um absurdo, porque seria legal deixar os condutores acampar no meu terreno, mas já sou ameaçado se os deixar dormir num veículo com todas as condições para tal", revolta-se o adepto do autocaravanismo.
Quando não está a usar os veículos da família - e mesmo os do amigo que tem o stand -, Polónia aluga as autocaravanas ao dia ou à semana. "No ano passado, com a pandemia, se tivesse 200 autocaravanas, era quantas tinha alugado", revela. "Este ano, também há procura, mas não tanta, porque as pessoas estão preocupadas com a possibilidade de serem multadas se dormirem nelas. Mas essas multas estão a ser contestadas pelos sócios da Associação de Autocaravanismo de Portugal, porque são inconstitucionais", explica o empresário, apontando que "a lei proíbe o condutor de prosseguir viagem se estiver cansado, devendo parar e descansar, algo que os camionistas podem fazer no camião e os autocaravanistas devem poder fazer na autocaravana".
Estacionar sem pagar
Consultadas as autoridades municipais sobre a fiscalização de que foi alvo, Rui Polónia concluiu que "não há problema em estacionar as autocaravanas no terreno, desde que não seja um negócio". Afinal, a inspeção foi motivada por denúncia de vizinhos, tal como outras anteriores, por exemplo ao "part-time" do filho, que arrenda o espaço do jardim e a piscina para festas particulares com "lotação controlada devido à covid-19".