O Parlamento assinalou, esta segunda-feira, os 48 anos do 25 de abril, no ano em que a democracia atinge a mesma longevidade que teve a ditadura. O PS centrou-se na valorização do Estado Social como forma de combater os "riscos" do populismo e o PSD defendeu que o Chega não deve ser travado com "absurdos cordões sanitários", mas sim com a realização de reformas que desenvolvam o país.
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Pedro Delgado Alves, do PS, recordou Jorge Sampaio, ex-presidente que morreu em setembro e que, "pela primeira vez, não acompanhará a cerimónia". O deputado referiu que o antigo chefe de Estado é um exemplo do "respeito, cordialidade e convivialidade" que são "essenciais à democracia".
Sem mencionar o Chega, o socialista defendeu também que "a qualidade das instituições democráticas nunca foi tão importante" como hoje. Só com uma democracia forte, afirmou, será possível combater as "ameaças populistas e de recurso à simplificação do que é complexo" que têm como objetivo "instigar ressentimentos entre os cidadãos".
Delgado Alves insistiu que a preservação do Estado Social é "decisiva para nos imunizar contra esses riscos". Para o deputado, muitos dos "inconformados" ou "desiludidos" coma situação atual do país "não são inimigos de abril, mas correm o risco de ser manipulados ou instrumentalizados por aqueles que o são".
O líder do PSD, Rui Rio, considerou que a comemoração da Revolução deve convidar a um "momento de autocrítica sério e realista do trajeto que temos seguido". Não ir além "do simples elogio do passado é, objetivamente, renunciar ao futuro", frisou.
No entanto, apesar de reconhecer que os responsáveis políticos devem admitir as falhas, Rio também sustentou que parte do eleitorado é permeável aos discursos da "promessa fácil" e da "benesse imediata", numa alusão indireta ao que considera ter sido feito pelo PS nas últimas legislativas.
Para o social-democrata, a "contradição entre a necessidade dos votos para ganhar eleições e a necessidade de responder à evolução da sociedade" é "preocupante" e constitui "uma das principais razões" para o "descrédito" da política e o crescimento dos extremismos.
Contudo, aludindo ao Chega, defendeu que "a solução para travar o crescimento dos extremismos não são absurdos cordões sanitários nem a desqualificação do voto de quem neles aposta". Na opinião de Rio, só implementando reformas se pode desenvolver o país e mitigar o descontentamento social.
Esquerda pede mais Estado Social
André Ventura, do Chega, desafiou os deputados a dizerem ao país: "Desculpem, porque falhámos". Lamentou as falhas na Justiça, "o império que se dissolveu" e falou na vontade dos jovens quererem "emigrar como nunca". "Se isto é abril, nós preferíamos outro", resumiu, enaltecendo ainda o 25 de novembro.
Ventura deixou também um apelo ao presidente da República para que não condecore aqueles que, no seu entender, "mataram e expropriaram" após a Revolução. Sem nunca ter explicado a quem se referia, o deputado sublinhou que não é "fazendo deles heróis" que se vai "reconciliar Portugal".
Bernardo Blanco, da IL, lembrou o "arrepiante silêncio" dos quase 50 anos de ditadura, considerando que Portugal era então "um país-fantoche" e questionando-se "como é que uma grande parte dos portugueses não quis saber", na altura, dessa situação.
Transportando o discurso para o presente, o liberal afirmou que Portugal está hoje "de novo num longo sono", descrevendo o país como "economicamente estagnado, socialmente hipnotizado e politicamente desligado". Criticou o nível dos impostos mas referiu que, se houver "inconformismo", os portugueses "não estão condenados".
Paula Santos, do PCP, considerou que há hoje "quem procure branquear o que foi o fascismo" e "desvirtuar" o conteúdo do 25 de abril. Também defendeu que os ideais da Revolução continuam a ser "a solução para os problemas atuais", nomeadamente no SNS, na escola pública, na habitação ou no reforço de direitos.
A parlamentar comunista denunciou o "descarado aproveitamento" da guerra da Ucrânia e das sanções à Rússia "como pretexto para maior acumulação de lucros". Acusando o Governo e a Direita de exigirem "aos trabalhadores e ao povo que paguem a fatura" do conflito, criticou ainda as tentativas de "imposição do pensamento único" sobre o tema.
José Soeiro, do BE, afirmou que o partido não quer apenas "mais tempo de democracia, mas sim mais democracia". "Falta-nos ainda quase tudo", reconheceu, reivindicando um reforço do Estado Social na saúde ou na habitação.
No entender do deputado bloquista, o debate não pode ser restringido apenas "entre quem quer simplesmente manter o que existe e quem quer destruir o que existe". Fazê-lo é aceitar uma "visão pobre do mundo" e uma "prisão de expectativas", referiu.
Inês Sousa Real, do PAN, centrou-se nas críticas ao sexismo, usando as palavras de Maria de Lourdes Pintasilgo para o considerar "uma violação dos direitos humanos". "Abril ainda não tem rosto de mulher", frisou, lembrando que estas têm de trabalhar mais 51 dias por ano para ter um salário igual aos homens e que, mesmo no Parlamento, apenas há 84 mulheres em 230 deputados.
Rui Tavares, do Livre, destacou conquistas como o SNS gratuito ou a escola pública, referindo que, dos "três D's" da Revolução - "Descolonização, Democracia e Desenvolvimento" - o primeiro foi "o mais imediato"; os outros dois ainda não foram alcançados na plenitude, o que faz do 25 de abril uma "tarefa longa e ainda por cumprir".
No final da sessão, a maioria dos deputados entoou, de pé, a canção "Grândola, Vila Morena", que serviu de senha para o início da Revolução. O momento, aparentemente espontâneo, terá partido de alguns convidados presentes nas galerias.