Mesmo com as restrições impostas pelo Governo e por outros países da Europa, há quem cruze concelhos e fronteiras para degustar o folar com a família.
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As restrições à circulação entre concelhos - que começaram a 26 de março e só terminam a 5 de abril -, mais as limitações às entradas em Portugal pelas fronteiras terrestres e aéreas, impediram as habituais enchentes nas aldeias transmontanas, que antes da covid-19 eram quase tão habituais como as próprias tradições da Páscoa. Na terça-feira, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, disse que se tem registado "uma significativa redução na circulação desde sexta-feira" e "um cumprimento generalizado" das medidas do estado de emergência devido à pandemia. Mas há sempre quem consiga dar a volta às regras e deslocar-se até às aldeias mais recônditas só para degustar o folar.
José Manuel Lopes e Francine Azevedo, emigrantes em França, este ano decidiram passar as férias da Páscoa em Pinela, aldeia do concelho de Bragança, de onde são naturais os pais dele. "Venho a Portugal quando posso. Já assim foi em agosto, mesmo com a covid-19. Desta vez, viemos de avião. Apresentamos testes PCR negativos e demos os números de telefone". Não foi preciso mais nada. No Porto, alugaram um carro: "Não tivemos qualquer problema na viagem até Bragança, pois nem sequer encontramos a GNR". Quase pareceu que podiam circular à vontade. Entretanto, conta: "Já fomos às compras a Macedo de Cavaleiros e não tivemos qualquer controlo", explicou o emigrante nascido em França, que mantém o distanciamento social com os residentes e usa máscara na rua.
Há um ano foi diferente
Em 2020, José e Francine viram a sua viagem para Portugal, marcada para esta quadra festiva, cancelada por causa da pandemia. Desta vez, aproveitaram a possibilidade. Todavia, encontraram uma aldeia sem o movimento habitual.
"São os únicos emigrantes que vieram", sublinhou José Rodrigues, dono do Café Central, em Pinela, que está a par de quem vem e quem vai. "Isto agora nem Páscoa é. Pinela era porreira, mas agora não, por causa da covid. Nem há estrangeiros, nem portugueses de fora, nem nada", lamenta o proprietário, que se preparava para viajar para França esta semana. "Tenho que fazer um teste PCR 72 horas antes da viagem, foi o que me pediram. Eu vou de autocarro numa transportadora aqui da aldeia. Como tenho residência em França, espero que me deixem entrar. Se me barrarem na fronteira volto aqui para o café de Pinela para beber mais um copo. A gente agora sabe lá o que acontece", observa João Loureiro, emigrante em França, sem certeza de que consegue cruzar as fronteiras espanholas e francesas. "Tenho fé que nos deixam passar", vaticina.
Vários presidentes de juntas de freguesias da zona indicaram ao JN que houve um ou outro caso de pedidos de declarações para circular no país. "Para cuidar de idosos ou para tratar de assuntos relacionados com repartições do Estado, mas nada de significativo", referiu Joana Pires, autarca da Junta de Pinelo, em Vimioso. O mesmo confirmou Sandra Afonso, presidente da União das Freguesias de Parada e Failde, em Bragança. "Como noutras alturas, quando as pessoas vieram houve contágios nas aldeias, agora ficaram em casa", garantiu.
11% da população dormiu a mais de 100 km de casa
Os dados sobre o Confinamento & Mobilidade dos Portugueses revelam que no dia 25 de março, ou seja, no dia anterior à atual proibição de circulação entre concelhos -, 11% da população (aproximadamente um milhão de pessoas) foi dormir a mais de 100 quilómetros da sua residência. Portanto, na pré-Páscoa já houve alterações que indicam que muitos se terão deslocado para fora da sua área de residência e que 60% da população andava em mobilidade no final da semana passada, fintando assim as restrições. O estudo revela ainda que os portugueses estão a sair de casa com mais frequência e estão a fazer deslocações mais longas. O dia 24 de março foi o que mais mobilidade registou desde 15 de janeiro.
Esta Páscoa vai ser um pequeno Natal
Numa Páscoa sem pandemia, a aldeia de Moledo, em Caminha, já fervilhava de gente nesta altura. Este ano, nas ruas daquela localidade à beira-mar, há menos movimento, mas muitas das casas de segunda habitação estão ocupadas.
Joaquim Guardão, presidente da Junta de Moledo, admite que a freguesia está a receber gente neste período que antecede a quadra pascal, mas nada que se compare a outros anos. "Estão bastantes pessoas cá, que têm segunda habitação, pelo que sei confinadas em casa. Algumas já estão cá há mais de uma semana, mas não é igual a épocas em que não tínhamos este problema da covid-19", afirma, referindo que a Páscoa em Moledo (assim como em todo o Alto Minho) "é uma época muito forte", com a vinda dos da terra que estão fora para junto da família e dos de fora para "aproveitar o bom tempo". "Neste momento, está calmo".
Gonçalo Correia dos Santos, empresário do Porto, com casa em Moledo há cerca de 50 anos e que ali fixou residência durante a pandemia, não acredita na calmaria. "A Páscoa vai ser um pequeno Natal. Vai prejudicar um bocado o país. Muita gente me tem dito que aqui as pessoas se vão encontrar todas", afirma, comentando que "40%" das construções ao redor da sua são segunda habitação. "Quem tem segunda casa vem de certeza absoluta. Pode é não vir com a família toda".
Fazer a viagem "com o coração nas mãos"
A reserva num alojamento local em Albufeira já estava feita há vários meses. Paulo Nunes não quis alterar as datas, "em nome do merecido descanso" de que estava a precisar, e arriscou viajar do Porto até ao Algarve no sábado, numa altura em que a proibição entre concelhos, medida de restrição para o período da Páscoa, já estavam em vigor.
A viagem, na companhia da mulher e do filho foi feita de madrugada "com o coração nas mãos" e "a consciência de que poderia ser mandado para casa". Acabou por chegar ao destino sem que as autoridades o tivessem travado. O caminho de regresso ao concelho de residência será feito no domingo, nas mesmas condições: "A rezar para que uma multa não estrague as férias". As principais zonas turísticas do Algarve registam, nos últimos dias, um maior movimento que, ainda assim, não anima o setor da hotelaria. No hotel Dom José, em Quarteira, apenas 13 quartos têm clientes, o que se traduz numa taxa de ocupação de 8%. "Uma diferença gigantesca em relação ao mesmo período do ano passado, com 72 %", lamenta o proprietário, João Soares.
Segundo o presidente da Associação dos Hotéis e Empreendimentos Turísticos do Algarve, Elidérico Viegas, "a procura é residual" e "a esmagadora maioria tem casa na região". Mais de 80% dos hotéis do Algarve estão encerrados e muitos poderão abrir falência.