Com a entrada em vigor do passe único, em abril do ano passado, as assinaturas da terceira idade registaram um aumento de 43%. Uma revolução na vida de muitos idosos da Área Metropolitana do Porto que deixaram de passar os dias sozinhos em casa e passeiam hoje por toda a rede do metro.
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Deixaram de passar o tempo em casa, a ver televisão, e andam mais na rua e a passear por toda a rede da Metro do Porto para locais e eventos que até agora desconheciam. Vão até à praia no verão, deslocaram-se para fazer as últimas compras de Natal e andam quilómetros para conviver em esplanadas de café ou no shopping. Os mais idosos da Área Metropolitana ganharam, em 2019, outra mobilidade com o passe social que lhes dá um descontos de 25% no custo do transporte. Na realidade, o título Andante está a mudar o dia a dia dos que têm mais de 65 anos.
Durante anos, o passe mensal apenas permitia deslocações num perímetro reduzido da cidade. Quem se deslocava para um área maior ou provinha de uma cidade periférica teria de comprar um título adicional, o que encarecia a viagem e desmotivava a deslocação. Para muitos, "ir ao Porto era só mesmo em caso de consulta médica". Com o passe único, de 40 euros, e o passe social para os maiores de 65 anos, que custa 30 euros, tudo foi alterado. Até porque o Andante serve de título intermodal podendo o utente sair do metro e seguir viagem num operador público, no caso STCP, ou num privado sem pagar mais por isso.
Não aguentava passar os dias sozinho porque durante anos trabalhei sempre com muita gente. Agora saio e falo com as pessoas
O passe passou a ser visto como um escape e os mais velhos passaram a sair mais. Só num ano, as assinaturas aumentaram 43% e as linhas mais periféricas passaram a ter uma maior procura por oferecerem passeios mais longos a esta faixa da população que se sentia "aprisionada dentro de quatro paredes". Foi o caso de Américo Blanquet que, do dia para a noite, viu-se sozinho em casa após a mulher ter ido para um lar.
"Vivo em Campanhã, saio todos os dias de casa e agora ainda mais com o passe social. Não aguentava passar os dias sozinho porque durante anos trabalhei sempre com muita gente. Agora saio e falo com as pessoas. Vejo gente!", conta Américo, de 87 anos. Reformado há mais de duas décadas, após dedicar uma vida às confeções como alfaiate. "Tento distrair-me. Faço as compras na Baixa e depois vou até à Boavista. De autocarro, sempre com o mesmo passe, vou até ao Castelo do Queijo ver o mar", conta.
Para trás ficaram os dias da azáfama laboral e os diários convívios em família. A maior parte dos idosos vivem sozinhos e já não têm idade nem capacidade para ter carro e conduzir.
Quase todos saem de casa impecavelmente vestidos, gastando o tempo necessário nesse ritual de boa apresentação. É o caso de Manuel Dias Monteiro, de 83 anos, que vive na zona periférica da cidade, mas que no seu passeio matinal faz sempre uma paragem no centro, saindo do metro na estação do Bolhão. Toma um café com os amigos e depois segue para a Zona Histórica onde almoça e passa um bocado da tarde. "O que é preciso é criarem mais linhas e mais ligações entre autocarros e as estações de metro. Há zonas mal servidas", considera.
Baixa é local de convívio perdilecto
A Baixa é o ponto forte na atração dos idosos que circulam nas várias linhas de metro e alguns andam diariamente quilómetros para o centro do Porto onde já conhecem outros idosos solitários e marcam encontro nas mesas de café e pastelarias ou na praça da alimentação do Via Catarina, local de eleição para o convívio em massa entre reformados. O metro passou a proporcionar ainda passeios até paragens onde, antigamente, iam de automóvel. De acordo com dados da Metro do Porto, as linhas mais periféricas como a Azul (Matosinhos), Vermelha (Póvoa de Varzim) e Laranja (Rio Tinto/Gondomar) foram as que registaram maior aumento de procura no último ano. Todas com subidas superiores a 20% face a 2018.
Ana Maria e Maria José Nunes são irmãs e estão ambas reformadas. De 67 e 64 anos, têm o passe social desde abril. "É muito útil porque as viagens são rápidas, há conforto e aproveitamos para tratar das nossas coisas e conviver", conta Ana Maria. A irmã concorda. "Por 30 euros por mês, vale a pena e podemos andar para todo o lado", explica, acrescentando que visita muitas vezes escolas onde ainda estão antigas colegas do tempo em que foi assistente operacional. Juntas fazem viagens frequentes até à Póvoa, Vila do Conde e Matosinhos.
Também Manuel Alves não pensou duas vezes para tirar o passe. Com 75 anos, desloca-se para o Porto quase diariamente, apesar de estar reformado. "Vou até às zonas do Carvalhido, ando um bocadinho a pé e depois venho para a Baixa para a zona da Batalha", diz. Além das deslocações mais longas provocadas pela adrenalina da aventura, muitos idosos gostam de circular pelas áreas que sempre conheceram, onde durante décadas trabalharam.
Queremos ser tratados de igual para igual e não estamos aqui a ocupar o espaço de ninguém
A verdade é que uma utilização que era ocasional passou a ser quase diária e a Metro do Porto tem noção desse "ganho de liberdade de movimentos" que proporcionou aos maiores de 65. Esta procura cresce diariamente e serve para desmistificar a ideia de que os idosos são todos dependentes e que nos transportes públicos estão sempre à espera que lhes cedam o lugar sentado. "Queremos ser tratados de igual para igual e não estamos aqui a ocupar o espaço de ninguém. Utilizamos o metro por pleno direito", refere Américo Blanquet.
A empresa diz que a percentagem de clientes detentores de títulos de assinatura mensal é de 75% (era de 67% antes da vigência do Programa de Apoio à Redução do Tarifário dos Transportes Públicos - PART). Verifica-se um crescimento de 35% nas vendas de títulos mensais Andante, tendo sido conquistados 60 mil novos clientes regulares. Com a entrada em vigor do PART, em abril, o crescimento da procura praticamente duplicou. A procura acumulada na rede do metro do Porto em 2019 foi superior a 71 milhões, um crescimento de 14 % face ao ano anterior