Autarcas dizem que a lista do Governo com 541 imóveis sem uso está incompleta. Movimento cívico começou a mapear os edifícios esquecidos.
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"Há muito património de organismos do Estado que não está no despacho" que lista os imóveis públicos sem utilização que, no âmbito da descentralização de competências, podem vir a ser utilizados pelas autarquias, disse ao JN Ribau Esteves, vice-presidente da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). A listagem foi publicada em dezembro passado e inclui 541 referências, mas está longe de conter a totalidade de espaços que estão ao abandono.
De acordo com Ribau Esteves, quando os autarcas analisaram a lista, detetaram "discrepâncias" entre os imóveis que o Governo indicou possuir e os que as Câmaras identificam nos seus territórios. Por isso, conta o autarca, que lidera a Câmara de Aveiro, "suscitaram que mandássemos a nossa perspetiva daquilo que é o património do Estado devoluto, que cai no conceito definido no processo de descentralização".
O Governo irá confirmar e "emitir um segundo despacho até ao final do primeiro semestre deste ano". Ainda assim, não será a totalidade dos imóveis que estão sem uso, já que de fora deverão continuar, nomeadamente, "prédios militares, estações da CP, os que vão para o programa Revive e áreas portuárias", que terão outros fins, explica o autarca.
"Olheiros" pelo país
O problema salta à vista de muitos e ultrapassa os gabinetes do poder. Daí que um movimento cívico tenha desafiado voluntários a indicarem os imóveis "esquecidos" nas suas terras, uma forma de alertar para a dimensão do problema e incentivar a sua recuperação. Em pouco mais de meio ano, o "Vamos Recuperar o Património Esquecido?", impulsionado pela eurodeputada Maria Leitão Marques, com a colaboração do professor José Carlos Mota, da Universidade de Aveiro, já mapeou 78 imóveis devolutos (alguns dos quais nas fotos), a esmagadora maioria dos quais públicos. É o caso do antigo Pediátrico de Coimbra, o ex-Centro de Saúde Mental de S. Bernardo, em Aveiro, a antiga central de águas, em Gondomar, ou o Centro Educativo em Vila Fernando, em Elvas.
Do Norte ao Sul do país, diz Maria Leitão, há imóveis sem uso "só porque estão atribuídos a determinado serviço público e embrulhados em burocracia", quando poderiam "ser disponibilizados em vários regimes".
O trabalho do projeto cívico, que arrancou em setembro, "mostra que há muitos espaços não aproveitados", confirma José Carlos Mota. O objetivo do movimento não é substituir o Governo, mas dar "uma ajuda" para que se crie uma "cultura de preservação", explica.
Autarcas interessados
Questionado pelo JN sobre a quantidade de imóveis públicos sem uso e a resolução para o problema, o Ministério das Finanças remeteu para o despacho 12 452/2020, o tal documento que lista o património imobiliário público sem utilização que pode passar a ser utilizado pelas autarquias e que os autarcas dizem estar incompleto.
Entre as 541 referências que apresenta, estão casas florestais e de magistrados, terrenos e até lugares de estacionamento. Do rol sobressaem, por exemplo, o antigo Externato Liceal de Vilar Formoso, em Almeida, o antigo colégio Alberto Souto, em Aveiro, a Direção Regional de Agricultura e Pescas, em Coruche, a Quinta de Sergude, em Felgueiras, o Solar dos Vazes, na Régua, ou o antigo sanatório do Barro, em Torres Vedras. A lista só foi publicada em dezembro e o ministério não adianta quantas manifestações de interesse já recebeu das autarquias.
Ribau Esteves diz que os municípios, "em regra, têm interesse" em gerir este património do Governo central, mas ainda aguardam para saber a totalidade do que está em cima da mesa. Para poderem gerir estes imóveis (a propriedade não muda), as câmaras têm de apresentar propostas sobre o que pretendem fazer e cumprir determinadas regras.
Ninguém consegue gerir bem o que desconhece
Num colóquio promovido pelo movimento cívico, João Miranda, docente da Universidade de Lisboa, apontou que os maiores entraves à recuperação do património passam pela "legislação dispersa e fragmentada, desadequada da realidade" e a "falta de inventariação do património público". "Ninguém consegue gerir bem o que desconhece", reforçou.
Rio Fernandes, da Universidade do Porto, disse ser necessário, também, refletir sobre "qual o património que vale a pena manter", e "para o que se quer conservar", pois há vários imóveis que estão em ruínas.
Movimento
Exemplos
Voluntários do Norte ao Sul do país já assinalaram 78 imóveis "esquecidos", a maioria dos quais propriedade pública. Indicaram, também, cerca de duas dezenas de imóveis recuperados, para destacar bons exemplos.
Colóquios
O movimento está a promover uma série de colóquios e iniciativas, chamando especialistas e organizações a debater o tema. Já foram analisadas políticas e modalidade de reabilitação e uso, assim como boas práticas. Os debates são transmitidos no Facebook.