Paulo Rangel: "Não há razão para evitar o processo eleitoral interno. Não estamos em estado de exceção"
Paulo Rangel posicionou-se na corrida à liderança do PSD antes de se confirmar a crise política que vai precipitar a ida às urnas. Assegura estar pronto para conseguir uma maioria, sem margem para ressuscitar um bloco central ou para abrir alianças à direita da direita. Apontando o CDS como aliado natural, admite também sentar-se com a Iniciativa Liberal.
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Já apresentou equipa para o programa eleitoral rumo às legislativas e afirmou até acreditar numa maioria absoluta. Não teme parecer demasiado ávido de poder?
A primeira coisa que queria, se me permite, corrigir, é que eu não falei numa maioria de direita, falei numa maioria que congrega o centro-esquerda, o centro, o centro-direita e a direita moderada. Portanto que é bastante plural. Depois, eu não disse que ia ter maioria absoluta, disse que não podemos excluir que um partido de vocação maioritária, como o PSD, nas atuais circunstâncias políticas do país, não possa vir a ter uma maioria absoluta. Mas disse que pode vir a ter uma maioria estável que não é absoluta. Portanto, não vamos agora dizer que há avidez onde ela não existe. Existe até uma análise muito realista e feita com os pés no chão. Basicamente é isso. A questão diferente é: porque é que nós que, neste momento, teríamos apenas de fazer a moção de estratégia, tivemos de antecipar as bases do programa eleitoral, ligando um pouco os dois processos. Foi porque, evidentemente, queremos que o processo eleitoral seja razoável, racional e rápido em termos de eleições legislativas e importa que o trabalho para um programa de governo esteja adiantado e possamos chegar a 4 de dezembro já tendo na nossa moção de estratégia aquelas que serão as linhas mestras do nosso futuro programa eleitoral.
Anunciou Miguel Poiares Maduro e Fernando Alexandre na área económica. Não receia que a herança do passismo seja de má memória e que possa até ser utilizada pela esquerda contra si em campanha?
O Miguel Maduro, que eu conheço desde os 23 anos, não é uma figura nem de passismo nem do cavaquismo nem do barrosismo. O Miguel Maduro é o Miguel Maduro, pensa pela sua própria cabeça, foi ministro num governo de Passos Coelho, com certeza que tem com ele uma boa relação. É uma figura altamente consensual e que toda a gente sabe que pensa pela sua cabeça. E que tem a respeito dos mais variados problemas um pensamento próprio. Portanto, não tem nenhuma ligação. Isto nem é neopassismo, nem neobarrosismo, nem neocavaquismo, porque nós estamos em 2021, à porta de 2022. Não estamos em 2011, não estamos em 1985, não estamos em 2001 e 2002.
Mas não vai ter problema em pedir apoio a esses setores.
Nós temos de ter a ajuda de todos, esta é uma candidatura de agregação. O primeiro lema que eu tenho no meu slogan, se posso chamar-lhe assim, é unir. Unir, crescer, vencer. Neste movimento, que já tem sinceramente muita tração, julgo até que está a criar algum entusiasmo e convicção naqueles que têm aderido todos os dias a esta proposta de candidatura que eu protagonizo, a primeira ideia é agregar. E por isso temos pessoas que vieram do tempo de Passos Coelho, que foram apoiantes de Luís Montenegro, foram apoiantes de Pinto Luz, que vêm dos tempos de Cavaco Silva, que foram grandes apoiantes de Rui Rio. Vencendo as eleições, como eu gostava e creio que posso vencer, no dia 4 de dezembro, nós também estenderemos a mão a pessoas que estiveram do lado da candidatura do dr. Rui Rio. Com certeza que sim. Porque justamente essa é uma das marcas de diferença desta candidatura para a outra, é que nós queremos agregar, unir, juntar, acrescentar valor, pôr a família social-democrata pacificada e reunida para ser no início de 2022 uma alternativa.
Protagonizou um dos momentos da semana, por se ter reunido com o presidente da República. Nesse encontro com Marcelo Rebelo de Sousa, falou sobre o prazo para a marcação de legislativas?
Não falei. Esse evento, e por isso ele foi publicitado nos termos em que foi, sem tabus e sem complexos, tem uma história muito simples. No 16 de outubro, depois de apresentar a minha candidatura, pedi à presidência da República uma audiência para poder ser recebido e falar sobre a situação política, mas em particular, esse é o meu ponto, apresentar as motivações da minha candidatura.
Considera que as críticas que surgiram entretanto o fragilizam?
O próprio presidente da República explicou e eu sinceramente sei que os portugueses confiam muito no presidente da República. E não em especulações jornalísticas e muito menos em declarações feitas num tom com pouca distância institucional, com pouca consideração institucional pela figura do presidente da República.
Portanto, a questão não belisca nem reforça a sua candidatura?
Não acho que tenha nenhum impacto. É uma tradição os candidatos a líderes dos partidos pedirem uma audiência ao presidente da República. E, curiosamente, o dr. Rui Rio, por quem tenho a maior consideração, no dia 11 de janeiro de 2019, aqui no Porto, como candidato foi recebido pelo presidente da República. E, depois, o doutor Luís Montenegro, que era o candidato que com ele concorria, foi recebido, julgo que em Lisboa, no dia 14. E, na altura, não vi nenhumas destas reações!
Se as eleições forem marcadas logo em janeiro, isso é prejudicial para um partido que está com uma nova liderança?
Não é a questão de ser prejudicial, o que eu acho é que temos de cumprir o Estado de Direito e o princípio da normalidade democrática. Não estamos em pandemia, nem em estado de exceção. E não estando em estado de exceção, devemos cumprir as regras democráticas. Se há dois, ou até três partidos, que estão neste momento a escolher as suas lideranças, naquele que é o tempo próprio, e que ainda por cima foi aberto pelas próprias lideranças do partido, eu só gostava de saber porque é que este processo há de ser interrompido quando ele é totalmente compatível com o decurso posterior de eleições legislativas, num tempo rápido e razoável.
Há algumas distritais que já sugeriram um adiamento das diretas, tal como Rui Rio. Admite esse cenário?
Não. Eu acho, sinceramente, que não há nenhuma razão para evitar o processo eleitoral interno. Nenhuma. Nós não estamos em estado de exceção. A escolha da chanceler pela CDU foi feita quatro meses, ou três meses antes, aliás, com várias eleições que nem correram muito bem, até se chegar à eleição final. Agora, vai haver primárias no dia 4 de dezembro para o candidato dos Republicanos em França. Isto são os factos normais em qualquer democracia. E, depois, diz-se assim: ai, vamos estar sem Governo, que nem é verdade, porque o Governo não se demitiu, portanto vai estar em plenitude de funções, e isso até é um motivo adicional para não estar aqui a acelerar. Passamos de uma democracia para uma "sprintocracia". Nunca ninguém quis fazer eleições em dois meses! Elas foram sempre feitas com, pelo menos, três meses de diferença. Sempre.
Portanto, não compreenderia se o presidente da República marcasse as eleições logo para o início de janeiro?
Eu não tenho nada que compreender, nem deixo de compreender, aquilo que vai fazer o presidente da República. Ao contrário de todos os que andam para aí a querer pressionar e condicionar o presidente da República, eu não o vou fazer. A escolha da data das eleições legislativas é uma prerrogativa exclusiva do presidente da República, que nem sequer tem que ser sujeita à audiência dos partidos.
Já deixou claro que, se vencer e formar governo, terá uma linha intransponível, porque não admitirá alianças com o Chega. No Parlamento, essa linha de um eventual acordo de suporte parlamentar em situações como a viabilização de um Orçamento também é intransponível?
Se o Bloco de Esquerda votar por nós, eu não vou estar contra o Bloco de Esquerda. Não vou é nunca negociar com ele.
Portanto, em momento nenhum, se isso for matematicamente necessário, se sentará com o Chega para negociação?
Eu pensava que isso tinha ficado claro. O Chega é o grande aliado do Partido Socialista. E esta pergunta devia ser feita a António Costa e ao PS porque o único partido que tem interesse em que o Chega cresça é o PS. Para quê? Para evitar um governo maioritário, ou com forte apoio dentro da Assembleia da República, do PSD e de eventuais parceiros.
Portanto, não culpa o líder do PSD, por ter permitido que à sua direita tivesse crescido o Chega?
Sinceramente, acho que a circunstância de nós termos feito uma oposição muito tíbia e ambígua, de muitas vezes termos amparado o Governo de António Costa, claro que levou, em primeiro lugar, muitas pessoas a fugirem para a Iniciativa Liberal. E votos de descontentamento com o Governo também naturalmente se desviaram para o Chega pelo facto de o PSD não estar a exercer a oposição com a firmeza, com a força com que devia estar a fazê-lo.
E ainda há tempo até à legislativas para travar esse impulso do Chega?
Se nós fizermos uma proposta que seja galvanizadora, com um programa ambicioso de reformas, ligado à criação de riqueza, ao combate à pobreza, vão ver que o peso dos movimentos radicais, à direita e à esquerda, será muito reduzido. Compete aos partidos que têm maior vocação de Governo serem capazes de apresentar essas propostas. É isso que não vejo.
Não vê nenhuma vantagem em fazer uma coligação pré-eleitoral com o CDS?
Fui muito claro quanto a isso. Em princípio, devemos ir isolados às eleições do início de 2022. Não excluo que, depois das eleições de 4 de dezembro e do Congresso, reunidos o Conselho Nacional e os órgãos, se houver uma vontade dos dirigentes de encetar um processo de negociações, poder rever esta minha posição.
Se houver eleições internas no CDS, com qual dos dirigentes acha que se entenderia melhor?
Sinceramente, tenho a certeza de que a relação de parceiro preferencial com o CDS é de tal maneira boa que seja qual for o líder a nossa relação será fácil. Se haverá uma coligação pré-eleitoral, o mais provável é que não, mas essa é apenas a minha posição e estou disposto a revê-la se me convencerem que, para se ter uma maioria sólida e estável no parlamento, essa é uma boa solução.
Se for eleito, tenciona marcar uma reunião não só com o CDS, mas também com a Iniciativa Liberal?
Sendo eleito presidente do partido, pedirei em primeiro lugar uma audiência ao presidente da República. E depois pedirei ao primeiro-ministro em funções. E também aos nossos parceiros naturais, o primeiro de todos será sempre o CDS. Não farei como outros, que tiveram primeiro um encontro com o PS. E depois será a Iniciativa Liberal. Mas terei também o maior gosto em encontrar-me com a presidente do PAN. Com o líder do Partido Socialista, com certeza. É natural que um líder de um partido político tenho encontros com os líderes desses partidos com os quais terá que dialogar no futuro, mesmo que não queira construir nenhum projeto conjunto. É uma questão simbólica.
Foi claríssimo ao dizer que consigo não haverá Bloco Central. Mas admite que em matérias pontuais possa haver um alinhamento em reformas estruturais ou diplomas de extrema relevância?
Vamos pôr as coisas no seu lugar. A maioria das leis que passam na Assembleia da República passam por unanimidade, ou quase. Ou seja, há um conjunto de leis que, pelos seus princípios jurídicos ou éticos, reúnem grande consenso.
A maior fragmentação obrigará a entendimentos. Não o preocupa?
Preocupa, mas não estou aqui no lugar de analista. Estou no lugar de político e de candidato a líder político. Portanto, não me compete fazer análise, mas sim dizer qual o rumo que acho que o PSD deve seguir e quais as propostas que tenho para o país sendo, ou vindo a ser, líder do PSD. Não vou agora fazer análises desse género. Digo claramente: é mau para o país haver Bloco Central. Mas não sou só eu que digo. O dr. António Costa disse o mesmo e ninguém lhe pergunta isso. Porque é que não lhe perguntam? Isto é um enviesamento das questões. Elas são-me postas a mim e até ao dr. Rui Rio, mas não são postas ao dr. António Costa. Porque é que ele nunca quis fazer um entendimento com o PSD no Orçamento? Porque é que rejeita um Bloco Central? O que ele diz é que acha que isso não é salutar para a democracia, e eu concordo com ele.
Portanto, rejeita de todo qualquer hipótese?
Vai haver um dia - e vai haver muitos - em que, a propósito de leis concretas, vários partidos, de varias matizes, até às vezes surpreendentemente, vão votar no mesmo sentido. Sou um parlamentar experimentado, sei que isso acontece. E acontece por boas razões, não por más. O que estou a dizer é que o projeto do PSD para as eleições legislativas de 2022 não pode ser um projeto de Bloco Central. Não podemos aspirar a ser os vice-primeiros-ministros de António Costa. Nós queremos liderar o país, nós queremos reformar o país, nós queremos mudar o país, nós queremos acabar com a estagnação de 20 anos. Não compreendo como as pessoas estão todas tão preocupadas com o caldinho que há de sair e com o impasse, em vez de estarem apostadas em defender uma solução que seja capaz de romper com o marasmo de 21 anos de ausência de crescimento, em que andamos aqui todos os anos a dizer às pessoas que vão ter aumentos de pensões de 5€ e de 10€, e que vão tê-los até 2030. Isso significa que nenhuma delas vai poder dar um salto como eu estou a ver que foi dado na Lituânia, na Letónia, na Eslovénia ou que está a ser dado na Polónia ou na Hungria. Nós vamos ser o carro-vassoura da Europa, vamos ser a cauda da Europa. E conformamo-nos com isto? Não. Tem de haver um líder do PSD que faça uma proposta mobilizadora e galvanizadora aos portugueses e que diga: "Estou disposto a liderar uma maioria que vai reformar". Vejo as pessoas todas a discutirem a pequena política, não vejo ninguém a querer apresentar um projeto que lidere, que entusiasme, que galvanize os portugueses.
Como olha para as análises que colocam Rio num patamar de aposta segura, sobretudo porque já teve muitas funções executivas, nomeadamente camarárias? Esse é um ponto a favor dele?
Em qualquer eleição em que há dois candidatos ou mais, uns têm umas vantagens e outros têm outras. Experiência autárquica para o Governo? Eu, com o dr. António Costa, estou devidamente esclarecido. Para mim - não sei se para o dr. Rui Rio - António Costa foi um muito mau primeiro-ministro.
Portanto, acha que a experiência autárquica de Rio não lhe dá esse "empowerment".
Não garante isso, essa é que é a questão.
A polémica sobre quem vai elaborar as listas de candidatos a deputados é uma não questão?
É evidente que não é uma questão. Eu gostava mais de falar sobre o país do que sobre o partido, porque sobre o partido está tudo dito: vai haver eleições, há dois candidatos que apresentam os seus projetos, vota-se e, naturalmente, quem ganhar é que tem a responsabilidade de preparar o partido para as eleições. O que seria desejável é que chegássemos ao Natal e os partidos que, neste momento, estão em processo de seleção do líder estivessem totalmente estabilizados. Por isso, houve uma proposta que vejo com muito bons olhos, de uma série de conselheiros nacionais - até muitos, mais de 60, segundo creio - que propuseram a antecipação do congresso para 16, 17 e 18 de dezembro. Apoiarei isso completamente.
Será cabeça de lista pelo Porto?
Bom, isso é uma decisão que não tenho tomada. Mas, para usar uma expressão que agora está a ser muito usada, não vou pôr o carro à frente dos bois. Com certeza que penso que seria possível. Lisboa ou o Porto seriam as duas alternativas. O Porto porque é o meu círculo eleitoral, Lisboa porque é a capital.
Não é uma questão, do ponto de vista simbólico, relevante?
Acho que pode ser relevante. Mas nós, no PSD, já tivemos tudo. Sá Carneiro, que era um distinto militante do Porto - fez a sua carreira política e cívica a partir do Porto - foi candidato em Lisboa. E, curiosamente, o cabeça-de-lista pelo Porto nessa altura foi Pinto Balsemão, que era um homem tipicamente lisboeta e que fez pelo Porto aquilo que pouca gente se lembra, que é a navegabilidade do Douro. Portanto, sinceramente, é uma questão que não tenho decidida, não vamos pôr o carro à frente dos bois. É a última coisa que me tira o sono neste momento.
Decidiu, recentemente, trazer a questão da sua sexualidade para a vida pública. Ficou surpreendido com a quantidade de reações que isso suscitou?
Olhe, sinceramente, as reações foram tão positivas, tão positivas... Mas não me surpreendeu porque sei que, na sociedade portuguesa, esta não era uma questão.
Ouça a entrevista completa este domingo ao meio-dia na TSF