O PS e o PCP estão, há uma semana, a negociar um programa de Governo, mas tendo como meta um Executivo de Esquerda, que possa eventualmente integrar independentes. A garantia é dada pelo líder parlamentar do PCP, João Oliveira, que critica a postura de Cavaco.
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O PCP esperava de António Costa a disponibilidade que o secretário-geral do PS mostrou para discutir uma alternativa à Esquerda?
Não temos a noção do que vai na cabeça de cada um. Dissemos o que dissemos quanto aos resultados eleitorais pesando todas as palavras. Sobretudo o sublinhado à derrota da coligação PSD/CDS e a inexistência de condições para se manter o Governo do PSD/CDS, a menos que o PS o viabilizasse. Sabíamos o que estávamos a dizer. Quando na noite das eleições dissemos que íamos apresentar uma moção de rejeição do Governo PSD/CDS, caso fosse a opção do Presidente da República empossar um Governo PSD/CDS. A concretização dessa possibilidade de uma solução governativa diferente de um Governo PSD/CDS não depende do PCP.
Mas durante toda a pré-campanha e campanha eleitoral, o PCP acusou constantemente o PS de se ter colocado ao lado da austeridade. Ao que se deve este volte-face?
Não houve mudança de discurso. Se reparar na nossa declaração do dia 7 de outubro, dissemos que temos consciência daquilo que é o programa do PCP e do PS. E temos consciência que o programa do PS não apresenta uma perspetiva de rotura com a política de Direita. Agora, também sabemos que não foi dado ao PS condições para aplicar o seu programa sem precisar de mais ninguém. Ninguém está em condições para aplicar o seu programa com uma maioria absoluta. Há consciência daquilo que é o programa do PCP, aquilo que é programa do PS, e das divergências. E a conclusão a retirar de todas essas divergências e diferenças não pode ser a de que a solução para o país é a manutenção de um Governo PSD/CDS.
Esta disponibilidade foi uma forma de o PCP reagir ao facto de o Bloco de Esquerda se ter tornado a terceira força política parlamentar?
De maneira nenhuma. Não norteamos as nossas políticas pela arrumação das forças que resulta dos processos eleitorais. Não são as eleições que determinam a justeza ou não de uma determinada orientação política. Aquilo que fizemos foi retirar consequências do resultado eleitoral. Que é, em primeiro lugar, traduzir do ponto de vista político e institucional a derrota sofrida pelo PSD/CDS.
As declarações de Jerónimo de Sousa logo após as eleições foram um primeiro sinal da aproximação do PCP ao PS ou uma forma de obrigar o PS a assumir como votaria na viabilização de um Governo de Direita ou de um orçamento da coligação?
Provavelmente poderá ter sido essa a interpretação que fizeram das declarações na noite das eleições. Da nossa parte, o PSD e o CDS não tinham condições para continuar a governar. E da nossa parte, apresentaremos uma moção de rejeição caso venha a ser essa a solução. Mas também dissemos na noite das eleições que há consequências políticas e institucionais que têm de ser retiradas deste ato eleitoral. Julgo que é muito empobrecedor a discussão política a interpretação que foi feita das nossas declarações.
Nas reuniões do PCP com o PS, o que está em discussão: um apoio parlamentar, que garanta a sobrevivência de um Governo do PS, ou o PCP integrar esse Governo?
Na reunião da semana passada, houve uma discussão programática relativamente aos conteúdos da política que é precisa, para responder aos problemas dos portugueses. É nessa fase em que estamos.
O PCP assinará um acordo comprometendo-se a não mudar a orientação estabelecida agora?
Apresentámos duas perspetivas: a discussão de um programa com vista à constituição de um Governo tão abrangente quanto possível. E, quando dizemos tão abrangente quanto possível, não o limitamos à abrangência do ponto de vista partidário. Devem ser considerados nessa solução governativa alternativa a participação de homens e mulheres sem partido, genuinamente preocupados com a situação do país e empenhados numa solução para o país.
Já estão a discutir um formato governamental?
Estamos a discutir políticas. Soluções para os problemas do país.
Mas já estão a discutir desde terça-feira passada....
Estamos a fazer essa discussão, reconhecendo a complexidade que ela tem. Aliás, não a ignorámos. De resto, conhecemos bem o programa do PS, como o PS conhece bem o nosso programa. E conhecemos as divergências, relativamente a um e a outro. Nem procurámos iludir as dificuldades que, nesta discussão, naturalmente, são previsíveis a partir da consideração que cada um faz das coisas. O controlo público de setores estratégicos, a questão da dívida, a questão dos variadíssimos constrangimentos externos que o país enfrenta são objetivamente condicionamentos que, a par daquelas políticas, têm de ser considerados.
O PCP tem também reunido com o Bloco de Esquerda?
Da nossa parte ainda não houve nenhuma reunião.
Então que programa de Governo se discute? Odo PS, PCP ou BE?
O programa de Governo é uma coisa distinta dos programas eleitorais de cada força política. Mesmo que não seja fácil alcançar essa solução, nada impede o PS de constituir um Governo e entrar em funções com a perspetiva que demos - a de que perante alguma tentativa do PSD e do CDS de impedir que aconteça, nomeadamente com uma moção de rejeição, o PCP contribuiria para rejeitar essa moção de rejeição.
O PCP deixou cair nesses encontros a nacionalização de empresas de setores vitais?
Essa questão de "deixar cair" começa logo a torcer a perspetiva com que nos colocamos perante estas coisas. Temos a noção que para determinados problemas é preciso encontrar determinadas soluções. Temos noção que é preciso aumentar os salários, a começar pelo salário mínimo nacional, aumentar as pensões também. Temos noção que é preciso reverter todos os roubos e cortes feitos por este Governo nos últimos quatro anos.
Por exemplo, a reversão da entrega de parte do capital da TAP a privados?
Temos essa questão também identificada com muita clareza. É preciso reverter o processo de privatizações e concessões que foi sendo por este Governo.
As vozes críticas dentro do PS dizem que Costa arrisca-se a que o PCP lhe tire o tapete?
Há obviamente de quem quer construir teorias de que o PCP estendeu um tapete para depois virem outros dizerem que o PCP pode tirar esse tapete. Essas teorias são construídas por quem tem determinados objetivos e posicionamentos políticos.
E se Cavaco Silva não der posse a uma aliança de Esquerda?
O Presidente da República atuou à margem da Constituição ao encarregar o primeiro-ministro em exercício, Passos Coelho, de fazer contactos para formar um Governo. Isso significa ignorar por completo os resultados eleitorais e manter em funções quem não tem condições políticas.
Cavaco poderá ter sido surpreendido pelo facto de o PCP ter aberto esta discussão?
Só por desconsideração com o que dissemos na noite das eleições e pelos resultados do ato eleitoral. Na noite das eleições dissemos claramente que aqueles resultados significavam uma derrota da coligação PSD/CDS. Não dissemos isso para continuar tudo na mesma. Aquela derrota tinha de ter consequências.
Mas, há anos, que o PCP reage sempre da mesma forma a qualquer resultado eleitoral. Os portugueses só perceberam a mensagem do PCP quando Jerónimo de Sousa foi mais claro nos dias seguintes. Não acha que o presidente da República ficou tão surpreendido com o PCP como a maioria dos portugueses?
Julgo que essa surpresa só parcialmente é que pode ser justificada. Para quem conheça o PCP e a perspetiva com que vê a situação em que o país se encontra, essa surpresa pode ser menor. É um facto que a clarificação do que estávamos a dizer, alterou a situação política.
A próxima supresa é o PCP ter dois ministério num Governo socialista?
Essa discussão é começar a casa pelo telhado. Porque é fundamental saber para quê e para quem é que vai governar um novo Governo. E essa discussão é que a fundamental.
Depois destas reuniões, considera António Costa um homem de confiança?
Estamos a fulanizar a questão. A confiança em António Costa não é o importante mas o posicionamento politico do PS e as opções que o PS toma.
O que diria aos mercados financeiros que receiam a aliança de Esquerda no Governo?
O sofrimento dos mercados pode gerar em algumas pessoas sentimentos de piedade. Ao que é preciso ter atenção é ao sofrimento dos que estão desempregados, foram obrigados a emigrar e que vivem em situação de pobreza.