INEM regista aumento de ocorrências nos primeiros sete meses de 2021, com a saúde mental a crescer nas chamadas. Faixas etárias cada vez mais novas manifestam dificuldade em gerir emoções e controlar agressividade durante a pandemia.
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O alerta foi dado há vários meses por médicos e especialistas. Os pedidos de ajuda psicológica e psiquiátrica iriam aumentar com a evolução da pandemia da covid-19, como o Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) tem vindo a comprovar no terreno: entre janeiro e julho de 2021, houve uma variação positiva de 24% nas ocorrências realizadas ao Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise (CAPIC).
Foi ainda contabilizado um aumento de 7,2% nos problemas psiquiátricos e suicídios. E há uma faixa etária que se deve atentar: crianças e adolescentes.
Sónia Cunha, responsável do CAPIC, relata ao JN que durante os quase dois anos da pandemia não houve meses iguais, mas muitas "flutuações". "Espelha a evolução da covid-19, as diferentes fases e as respostas exigidas à comunidade para conter" o vírus, refere.
Os números do INEM são claros quanto à necessidade de muitos portugueses em procurar ajuda. Entre abril e junho de 2021, houve mais 55% de ocorrências relacionadas com crises de ansiedade e mais 19% sobre perda de controlo emocional, revelou Sónia Cunha, ao JN.
A aparente acalmia de pedidos de auxílio psicológicos, no início da pandemia, coincidente com os primeiros meses de 2020, não é um cenário estranho para os profissionais. "Quando estamos numa situação de pressão, ficamos focados na resolução. Se a pressão pára, vem um momento de descontração, em que a pessoa sente o reflexo de todo o esforço que fez", explica Miguel Ricou, presidente do Conselho de Especialidade de Psicologia Clínica e da Saúde da Ordem dos Psicólogos.
Apesar de os "tempos atípicos" se refletirem em todos, independentemente da idade ou do género, as chamadas recebidas no CAPIC nos últimos meses demonstram que os mais novos estão a ser fortemente afetados pela pandemia. "Temos percebido, sobretudo nos mais jovens, um aumento significativo de perturbação ao nível da saúde mental", avança a psicóloga do INEM. Na faixa etária entre os 10 e os 15 anos, foi registada uma variação positiva de cerca de 125% de abril a junho deste ano. A percentagem baixa entre os 5 e os 9 anos, mas é ainda assim considerável: um aumento de 83% face a igual período de 2020.
Adultos ligam
Os pais são os primeiros a solicitar ajuda psicológica para os filhos, com os relatos a salientar a dificuldade em lidar com os comportamentos mais agressivos e o não cumprimento de regras. Porém, por vezes, são os próprios adolescentes a ligar para o INEM. "Têm dificuldade em gerir as emoções, controlar os impulsos e falar com os adultos sobre isso. Percebem que estão em risco", diz Sónia Cunha, que destaca ainda a existência de "sintomatologia do foro psicótico", com uma "desorganização mental mais severa".
A importância da saúde mental não é um tema que fique de fora das preocupações dos menores. Manuel Coutinho, secretário-geral do Instituto de Apoio à Criança (IAC), confirma que há casos em que são os jovens a dar o primeiro passo. "As gerações mais novas já recorrem ao psicólogo como ao clínico geral", diz.
Ansiedade agravou
Um dos casos exemplificativos da "autonomia" juvenil é a linha SOS Criança, um serviço gratuito e confidencial do IAC em que o menor pode falar, várias vezes, com uma equipa de psicólogos. Em 2020, receberam 2217 apelos no total. Nem todos relacionados com saúde mental. O jovem só é reencaminhado para outro serviço de saúde com o seu consentimento ou caso se trate de uma "ideação suicida".
Para Miguel Ricou, os "problemas [de saúde mental] não são muito diferentes dos que havia", podem ser é em "maior quantidade". Para os jovens que já tinham uma "vulnerabilidade prévia", o aparentemente regresso feliz das aulas presenciais terá causado um agravamento das crises de ansiedade.
Reforço de contratação de psicólogos
Para os profissionais do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) era "inevitável" que a saúde mental individual e coletiva ficasse afetada durante a pandemia. Desde abril de 2020 que houve o reforço de mais nove psicólogos, estando prevista a contratação de mais seis profissionais em breve, disse Sónia Cunha, responsável do Centro de Apoio Psicológico e Intervenção em Crise. No total, o INEM vai contar com 27 psicólogos.
Também durante o pico da pandemia, em abril de 2020, foi criada a linha de Aconselhamento Psicológico do SNS24. Até 5 de agosto deste ano, o serviço recebeu 99 490 mil chamadas, adiantou fonte dos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) ao JN. Desde 1 de janeiro, 38 983 chamadas foram de utentes e 2835 de profissionais de saúde. O serviço está disponível 24 horas, todos os dias (808 24 24 24) e é assegurado por psicólogos clínicos.