Quatro investigadoras, já doutoradas, recebem, nesta quarta-feira, as Medalhas de Honra L'Oréal para as Mulheres na Ciência, na sua 19.ª edição.
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Da diabetes tipo 2 à recuperação de solo degradado. Da investigação sobre dispositivos cardíacos ao glaucoma. São quatro os projetos científicos, todos no feminino, que nesta quarta-feira são distinguidos com as Medalhas de Honra L'Óreal Portugal para as Mulheres na Ciência. Andreia Trindade Pereira, Joana Sacramento, Raquel Boia e Sara Peixoto, cientistas com idades compreendidas entre os 31 e 35 anos, são as vencedoras desta 19.ª edição, recebendo um prémio, cada, no valor de 15 mil euros para prosseguirem a sua investigação. Se, entre 2003 e os dias hoje, as investigadoras na Europa passaram de 29% para 32,8%, o certo é que persiste a "falta de equidade", sendo "muito acentuada em áreas críticas como as tecnologias de informação e comunicação", frisa o Country Coordinator da L'Óreal Portugal, Gonçalo Nascimento, citado em comunicado. Num "perpetuar" da desigualdade. Em Portugal, as doutoradas respondem por 52,9% e 43,3% dos investigadores são mulheres. Contudo, a sua representatividade cai à medida que se sobem patamares na carreira académica: apenas 27,15% estão no grau de professor catedrático ou equivalente.
Investigadoras distinguidas
Alimentar dispositivos cardíacos com a energia gerada pelo corpo
Doutorada em 2020 pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, no i3S, onde prosseguiu o seu pós-doc ("Biomateriais como nanogeradores triboelétricos para aplicações cardiovasculares"), Andreia Trindade Pereira desenvolve a sua investigação que incide na utilização da energia produzida pelo corpo humano como fonte alternativa para alimentar os dispositivos cardíacos implantáveis, como sejam os pacemakers, que utilizam baterias convencionais que necessitam de ser substituídas cirurgicamente.
Intitulado "BloodStream2Power", o projeto desta investigadora do Porto pretende, ainda, encontrar soluções para as falhas nas próteses vasculares. "Estas próteses apresentam falhas representativas, com taxas que chegam, muitas vezes, aos 50%, devido à ocorrência de tromboses", revela Andreia no comunicado enviado à impensa pela organização. Explicando que com os novos "nanogeradores capazes de gerar eletricidade por fricção" pretende-se introduzir, também, "uma nova geração" daquelas próteses. Capazes de "enviar sinais de alerta ao médico que acompanha o doente caso haja alteração ao seu funcionamento normal".
"Lisonjeada" com o prémio que agora recebe, tanto mais que muitas das cientistas já distinguidas são um "modelo de inspiração" - o grupo onde está integrada é liderado por Inês Gonçalves, premiada na 10.ª edição -, Andreia Trindade Pereira sublinha, ao JN, estarmos a "viver uma fase onde existe o maior número de mulheres de sempre a enveredar por uma carreira científica". Contudo, vinca a cientista, "parece ainda que os homens têm um maior progresso para papéis mais seniores na academia, uma vez que aparecem mais vezes como último autor, por exemplo". Num país onde "seria importante definir uma carreira científica para reter o talento e, assim, posicionar Portugal estrategicamente como uma referência científica e tecnológica internacional".
No caminho da reversão da diabetes tipo 2
No grupo de investigação de Sílvia Vilares Conde, na Universidade Nova de Lisboa, Joana Sacramento foca a sua pesquisa na reversão da diabetes tipo 2, com uma prevalência estimada em Portugal de 14,1% na população entre os 20 e os 79 anos de idade. O objetivo da investigação é, como se explica em comunicado, "usar o potencial de modulação da atividade elétrica do organismo humano para alterar seletivamente a atividade do corpo carotídeo, que, em trabalhos anteriores, já se comprovou estar envolvido no desenvolvimento da diabetes tipo 2".
Segundo a cientista, observou-se que, quando cortada "a ligação do corpo carotídeo ao cérebro, através do corte do nervo do seio carotídeo, é possível reverter a diabetes tipo 2". Contudo, tal abordagem não pode ser realizada em humanos. A equipa onde Joana está integrada conseguiu já comprovar que a "modulação elétrica da atividade do nervo carotídeo, em vez do seu corte, também consegue reverter" aquela doença. O desafio é agora encontrar uma terapia "capaz de modular a atividade" daquele nervo "sem afetar as outras funções deste órgão". Estando Joana Sacramento apostada, assim, em caracterizar a atividade do nervo do seio carotídeo para depois formular um algoritmo "que permita modular apenas esta atividade específica".
Aos 35 anos, Joana destaca o trabalho em equipa, que conta com "uma grande líder e mentora como a Professora Sílvia", que permitiu agora este reconhecimento. Num campo de trabalho, a Ciência, de resiliência e onde é grande a "pressão para a demonstração de outputs científicos", como sejam as publicações. Além das "desigualdades" que sente na carreira por ser mulher, o setor continua "com problemas ao nível do financiamento científico", perpetuando-se a "precariedade". Se lhe juntarmos a maternidade, "a progressão na carreira torna-se mais difícil e morosa para a mulher", sublinha a investigadora.
Nova abordagem terapêutica para o glaucoma
Investigadora no iCBR, da Universidade de Coimbra, Raquel Boia quer saber se é possível "regenerar os axónios das células ganglionares da retina e reintegrá-los corretamente no sistema visual para promover a recuperação da visão" das pessoas com glaucoma. Citada em comunicado enviado pela organização da 19.ª edição das Medalhas Mulheres na Ciência, a cientista explica ter já identificado "que a ativação de um recetor presente nas células ganglionares da retina é capaz de lhes conferir proteção".
Agora, Raquel Boia vai avaliar se aquele recetor "consegue promover a regeneração dos axónios destas células e integrá-los de novo no sistema visual", por forma a que o nervo ótico "volte a ter a capacidade para transmitir a informação visual ao cérebro". O glaucoma, recorde-se, é uma das principais causas de perda de visão em todo o mundo. No âmbito do seu projeto de investigação, Raquel Boia pretende, também, recorrer a uma "estratégia diferenciadora para levar a medicação à retina", através de um implante intra-ocular biodegradável. Segundo a investigadora de Coimbra, "futuramente, este implante poderá substituir as múltiplas injeções intravítreas que são hoje necessárias no tratamento de doenças crónicas da retina".
O prémio que agora recebe permitirá, diz, "progredir na carreira científica na área das Ciências da Visão". Sobre ser cientista nos dias de hoje, sabe que acarreta "inúmeros desafios, que são transversais a mulheres e homens". Que passam, sobretudo, pela "dificuldade em obter financiamento e em conseguir ter uma carreira científica estável". Raquel reconhece, no entanto, ser notória "uma menor representatividade de mulheres em cargos de maior responsabilidade institucional". Sem esquecer "as diferenças de progressão de carreira académica/científica entre mulheres e homens".
Os bioestimulantes e a recuperação de solos degradados
Investigadora em início de carreira, para Sara Peixoto esta distinção vai permitir divulgar a "necessidade de desenvolver e utilizar estratégias mais sustentáveis para promover a conservação do ecossistema terrestre". No seu projeto, "MicroStimulus", quer "compreender qual o efeito ecológico da aplicação de bioestimulantes na recuperação de solos degradados". Bem como perceber se tais produtos "podem apoiar a recuperação funcional de solos afetados pelo uso agrícola intensivo e pelos fogos florestais".
Atualmente, desconhecem-se os "efeitos das interações desencadeadas pela aplicação destas formulações bioestimulantes no microbioma do solo". Lacuna que, diz Sara, "as descobertas deste projeto poderão preencher". Por outro lado, a investigadora propõe-se ainda "compreender se os solos previamente tratados com os bioestimulantes podem ter maior tolerância aos contaminantes". Informação vital para se definirem estratégias para a recuperação de solos degradados.
Sara Peixoto sublinha que a "minimização do impacto ambiental associado à degradação dos solos agrícolas e florestais é extremamente relevante", na medida em que "pode ter consequências diretas para a saúde/qualidade de vida do Homem". Como as restantes colegas premiadas, entende também que a "desigualdade entre géneros é, sobretudo, visível na progressão da carreira científica". Defendendo, por isso, "uma intervenção mais cuidada no estímulo da progressão da carreira das mulheres na investigação". E se ser cientista "é ser uma apaixonada por aquilo que se faz e investiga", é, também, ou "acima de tudo, ser resiliente". Para lidar com a "incerteza, instabilidade e precariedade" da carreira.