Quatro anos depois de entrar em vigor a lei que permite a adoção por casais do mesmo sexo, pelo menos cinco casais gay adotaram crianças.
Corpo do artigo
O número é de 2018 e não se conhecem dados de anos anteriores. Investigadores acreditam que estes são os primeiros casos, já que o processo leva anos, e suspeitam que o número vai disparar. O Bloco de Esquerda alerta para a discriminação na avaliação das candidaturas.
Segundo o relatório anual do Conselho Nacional para a Adoção, em 2018, 148 famílias adotaram 182 crianças. Pela primeira vez, o relatório revela que 3% destas adoções foram feitas por casais do mesmo sexo. No mesmo ano, 18 pessoas singulares (12%) e 125 casais heterossexuais (85%) adotaram crianças. Não se sabe quantos casais gays se candidataram a adoções desde 2016, ano em que a lei entrou em vigor.
Sandra Cunha, deputada do Bloco de Esquerda que há muito pede os dados de adoções por casais homossexuais, diz que a "lei foi um passo decisivo e fundamental nos direitos humanos e igualdade", mas garante que falta formar as equipas de adoção. "Continua a haver preconceitos e tem havido dificuldade", revela. "Os casos que conhecemos ultrapassaram largamente o prazo legal, que são seis meses", afirma a deputada, acrescentando que isso pode também significar "escassez de recursos humanos nos centros distritais".
equipas sem formação
Um projeto de investigação sobre a adoção por casais do mesmo sexo em Portugal, da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, revela que as equipas ainda não receberam formação. Jorge Gato, investigador, alerta que é preciso ter em conta "que estas pessoas fazem parte de uma sociedade em que o modelo de família entendido como ideal é a família heteroparental". Mas acrescenta que, "apesar de algum desconhecimento sobre os desafios das famílias homoparentais, há um grande interesse por fazer bem sem discriminar".
O estudo, feito com os técnicos, identificou necessidades de formação na área do conhecimento científico sobre casais do mesmo sexo, "por exemplo, como lidam com o estigma social e o que se sabe sobre o desenvolvimento psicossocial das crianças nestas famílias". E também sobre como avaliar estas questões durante a candidatura e preparação da criança para adoção.
Não se conhecem números de adoções por casais gays antes de 2018 e Jorge Gato acredita que estes cinco são os primeiros. "A lei é de 2016 e o processo demora tempo. O número deve disparar nos próximos anos".
orientação já não é tabu
O investigador sublinha que "a lei permite menos ocultação. Se casais do mesmo sexo podem adotar, já não tem que ser tabu a orientação sexual nas candidaturas".
Ana Aresta subscreve: "Antes da lei, havia homens sozinhos a adotar que ocultavam o facto de estarem em casal, por estarem à margem de uma lei que não os reconhecia". A presidente da ILGA diz que a lei permitiu ainda oficializar famílias de mulheres que tinham recorrido a procriação medicamente assistida (PMA) para engravidar. "Recorriam a técnicas de PMA lá fora e depois uma das progenitoras não era legalmente mãe da criança. A coadoção veio oficializar os projetos parentais". Ainda assim, "o Estado continua a falhar na formação dos técnicos, enquanto profissionais e cidadãos".
Menos menores encaminhados para adoção
Em 2018, havia 273 crianças em situação de adotabilidade, menos do que em 2017. "A diminuição tem a ver com a maior resistência dos profissionais a encaminhar crianças para adoção e com mais medidas de reunificação familiar", explica Adelina Barbosa, do Grupo de Investigação e Intervenção em Acolhimento e Adoção da U.Porto. "Há dois ou três anos, havia 400 crianças adotadas por ano. Agora são menos de 200". E continua a haver sete vezes mais candidaturas à adoção do que crianças em situação de adotabilidade e um desencontro entre o perfil de crianças e a pretensão dos pais adotivos.