Taxa de cesarianas subiu, em 2019, tanto nos hospitais públicos como nos privados. Nas unidades particulares, partos vaginais não chegam a um terço. Maternidade tardia entre as explicações.
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A taxa de cesarianas continua a subir, tanto nos hospitais públicos como privados. Em 2019, chegou aos 36%, num crescimento de 2%. É o valor mais alto desde 2010. Se, no Serviço Nacional de Saúde (SNS), os partos cirúrgicos correspondem a 29,79% do total, nos privados chegam aos 68,5%. As taxas mantêm-se elevadas, apesar da penalização criada pelo Governo para o SNS. No ano passado, 14 hospitais públicos perderam o financiamento por não cumprirem as metas (ler ao lado).
Um maior recurso ao particular explica aquela subida, mas também a maternidade tardia, segundo os especialistas. Ao JN, a Direção-Geral da Saúde (DGS) diz estar a trabalhar na melhoria das notificações pelos hospitais.
De acordo com dados do Instituto Nacional de Estatística e do Pordata, em 2019 realizaram-se 86 369 partos, dos quais 31 094 cesarianas. As unidades privadas responderam por 15% dos partos e 29% das cesarianas. Feitas as contas, 68,5% dos partos no privado foram cirúrgicos, contra 66,3% em 2018. Sendo que, ao contrário do SNS, os partos cresceram 7% no privado. Já, no público, a taxa de cesarianas subiu para os 29,79%, mais 1,44 pontos percentuais.
Numa leitura regional, o Norte regista a mais elevada taxa (39%) e o Centro a mais baixa (28%). De referir que apenas 34% dos partos reportam a mulheres com menos de 30 anos, contra 45% há dez anos. Acima dos 40 são já 7,7%, mais do dobro face a 2009.
Questionada, a DGS fez saber que a "taxa de partos por cesariana é um assunto complexo e que pode ser influenciado por múltiplos fatores". Como sejam a "existência de dados de qualidade e em tempo real", sendo que "uma resposta insuficiente" dos hospitais "tem levado a que subsista uma escassez de dados". Estando a DGS "a desenvolver diligências no sentido de melhorar a notificação por parte dos hospitais".
Idade aumenta riscos
"Com um desvio da população para os privados", ficam no público as mulheres com patologias, "de maior risco", explica a diretora do Serviço de Ginecologia/Obstetrícia do Hospital de S. João. Em 2019, revela Maria Moucho, a taxa de cesarianas naquela unidade estabilizou nos 29,32%. Mas chegou aos 36% nas grávidas com obesidade mórbida e aos 37% nas mulheres com mais de 35 anos. Se conjugados os dois fatores, ficou nos 49%.
Na mesma linha, o presidente do Colégio de Especialidade de Ginecologia/Obstetrícia da Ordem dos Médicos acrescenta que "o aumento das gravidezes gemelares [1312 duplos e 23 triplos, em 2019], nomeadamente das associadas aos tratamentos de infertilidade e a opção por um filho único (que deixa menor pressão sobre a necessidade de evitar cicatrizes uterinas que podem condicionar futuras gravidezes)". Mas também "os antecedentes de cesariana (que não obrigam a uma nova cesariana, mas que aumentam significativamente a probabilidade); e o aumento da litigância médico-legal e a cesariana a pedido da grávida". João Bernardes defende a necessidade de "estudos mais aprofundados", competência da DGS.
Para aquele responsável, mantêm-se "pertinentes as recomendações" da comissão nacional criada pela tutela, nomeadamente "de sensibilização da população para os riscos de cesarianas desnecessárias, de manutenção dos altos níveis de treino dos profissionais de saúde, de apetrechamento das unidades de saúde com recursos humanos e técnicos adequados (...) e da compensação devida pela assistência ao parto vaginal".
Diogo Ayres de Campos, que presidiu à comissão, diz que a "redução a taxa é um esforço continuado; é preciso manter a chama acesa e dedicar tempo". Com a tónica nos privados: "O Estado lavou as mãos. Não me sinto bem num país com quase 70% de cesarianas no privado. Não é aceitável", diz. Para o obstetra, "o Estado tem capacidade para regulamentar muita coisa que se passa na Medicina privada e tem que fazer isso".