Prestações pagas pelos pais para os filhos deverão subir 7% e temem-se incumprimentos. Como não há lei de atualização, cada pai ou mãe deve consultar o seu acordo ou sentença.
Corpo do artigo
A maioria das pensões de alimentos que são pagas pelos pais que não têm a guarda dos filhos vai aumentar à razão da inflação em 2023. Numa pensão de 200 euros, se o cenário esperado de 7% de inflação se confirmar, o aumento será de 14 euros mensais. As associações temem que haja mais incumprimentos.
Não há em Portugal uma lei que defina valores gerais de atualização das pensões de alimentos. Assim, se cada pai ou mãe quiser saber quanto é que vai aumentar a pensão que paga ou recebe em 2023, deve primeiro ler o texto do acordo (se este existir, por exemplo no caso de divórcio por mútuo consentimento) ou o texto da decisão judicial, se a pensão tiver sido fixada pelo tribunal.
Se o texto do acordo ou da decisão judicial não tiver previsto um critério de atualização, a pensão não é atualizada. Nestes casos, se um dos progenitores quiser atualizar o valor, "tem de dar entrada com uma ação de alteração da pensão de alimentos" junto do tribunal, explica Marta Costa, advogada especialista em Direito da Família e sócia da Abreu Advogados. Aí a decisão é do juiz.
Se, por outro lado, o acordo ou sentença tiverem prevista a fórmula de atualização, ela tem de ser respeitada. E, na maioria dos casos, os juízes utilizam a inflação do ano anterior como critério para a atualização da pensão. O Governo ainda não divulgou as previsões da inflação para 2022, mas deixou antever que será superior a 7%. O Conselho das Finanças Públicas prevê 7,7%.
Num cenário de inflação a 7%, cada pessoa que queira saber qual é o valor da atualização da pensão para 2023 só precisa de multiplicar o valor atual da prestação por 1,07. Ou seja, no caso de uma pensão de 200 euros, o aumento será de 14 euros, dado que 200 vezes 1,07 é igual a 214.
Segundo Joana Pinto Coelho, advogada e membro da Direção da Associação Portuguesa de Mulheres Juristas, o critério da inflação "é o padrão" nos casos em que o tribunal define a fórmula de atualização anual. No entanto, ressalva, "não existe uma regra específica que diga que tem de ser assim".
Aumento dos conflitos
Joana Pinto Coelho prevê que o aumento à razão da inflação possa ter "um efeito de cadeia ou de bola de neve", pois, com as dificuldades, "o incumprimento das pensões vai aumentar" e as prejudicadas serão "as crianças e as mulheres". Antevê-se, por isso, um aumento dos conflitos judiciais relacionados com esta matéria, pois "quem está a pagar tenta sempre pagar menos e quem recebe tenta sempre receber mais, porque tem essa necessidade", refere Joana Pinto Coelho.
Marta Costa adverte para outro problema: quando não há fórmula de atualização prevista em acordo ou sentença, a ação intentada pelo progenitor que quer ver atualizada a pensão pode demorar. "Teoricamente faz sentido ser o tribunal, mas a verdade é que os nossos tribunais estão atolados em trabalho".
Assim, explica a advogada, um processo que entre hoje tem de esperar pela conferência de pais. Se os pais não chegarem a acordo nessa conferência - o que é "bastante frequente" - é dado um prazo de resposta à outra parte para se pronunciar e o processo segue o curso até à decisão judicial. "Nesses casos vamos ter uma decisão decorridos muitos meses, várias vezes mais do que dois anos", admite Marta Costa. O efeito da decisão é retroativo à data em que a ação foi intentada.
O presidente da Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF), Ricardo Simões, admite que "em Portugal as pensões são baixas e o aumento sozinho não será nada de especial", mas pode ter relevância se for "colocado no contexto de que tudo está a aumentar".
A APIPDF defende que, à semelhança de outros países, sejam definidos critérios de alteração do valor, seja ele anual e/ou consoante as circunstâncias: "Por exemplo, pode-se prever que, na situação de desemprego, automaticamente a pensão ajusta-se". Assim, no atual quadro legal, a fórmula de atualização "depende de cada juiz".
Proposta quer o fim da tributação de 20% em sede de IRS
A Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF) defende que o Orçamento do Estado para 2023 ponha fim à tributação de 20%, em sede de IRS, que existe para quem recebe pensão de alimentos. Ricardo Simões, presidente da APIPDF, lembra que, desta forma, o Estado podia aumentar a pensão para quem a recebe sem aumentar a prestação a quem a paga. Embora o Governo ainda não se tenha pronunciado sobre o aumento das pensões de alimentos, o Ministério da Segurança Social está a analisar o assunto, até porque o aumento dos incumprimentos pode ter implicações ao nível do Fundo de Garantia de Alimentos a Menores, que substitui os pais quando estes não têm condições económicas para pagar a pensão.