A Marinha estava desde 2002 a pagar dinheiro a mais. Foi avisada em 2012 e 2016 por diferentes entidades. Persistiu no erro. Agora, são 481 os militares ao serviço da Autoridade Marítima Nacional e os elementos da Polícia Marítima que terão de devolver 302 mil euros.
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O Tribunal de Contas (TdC) reconhece que o chefe do Estado-Maior da Armada (CEMA) e o diretor-geral da Autoridade Marítima (DGAM) foram "negligentes", mas iliba-os de qualquer sanção. Os marinheiros estão revoltados.
Há quem tenha sete, seis ou quatro mil euros para devolver. São cerca de 500 marinheiros e agentes da Polícia Marítima a prestar serviço de norte a sul do país. O dinheiro, relativo aos últimos quatro anos, vai começar a ser pago em abril, retirado mensalmente do ordenado. Não foram eles que fizeram as contas. Nunca sequer tiveram acesso aos cálculos.
Em julho de 2020, foram surpreendidos pelo relatório n.º º 11/2020 do Tribunal de Contas (TdC), que resulta da auditoria às contas de 2018: há erros de cálculo no pagamento das compensações de pessoal, face à distribuição das receitas angariadas com as taxas pagas nos portos.
De acordo com a lei, estas compensações não poderiam nunca exceder 70% da remuneração-base. O problema é que o DGAM decidiu, "ao arrepio" da lei, incluir o suplemento de condição militar (SCM) no ordenado-base, como forma de, sobretudo nas capitanias com maior volume de trabalho (logo, maior receita), conseguir acomodar o valor integral das compensações.
Negligência sem sanções
Em 2012, diz o TdC, a Inspeção-Geral da Defesa Nacional alertou a Marinha para a ilegalidade. Em 2016, a Inspeção-Geral das Finanças (IGF) voltou a fazê-lo, lê-se no acórdão. Ao JN, a Marinha nega que o relatório de 2012 fizesse qualquer referência a esta situação e alega que em 2016 "a matéria foi aflorada [pela IGF]sem haver qualquer recomendação", razão pela qual manteve o procedimento. O pessoal sente que está a pagar "pelos erros de outros".
O próprio TdC reconhece que, ao incluir o SCM no base, um mês depois do despacho que fixou em 70% o teto das compensações, o DGAM o fez "intencionalmente". Ainda assim, considera não ter havido "intenção deliberada de não cumprir as normas legais" e, por isso, há apenas "negligência inconsciente". Não são, portanto, responsáveis pela restituição dos valores pagos.
O dinheiro será, agora, parcialmente devolvido por quem o recebeu. A regularização começa em abril e terá de estar concluída até final de 2022. Para alguns são 300 a 400 euros num ordenado de pouco mais de mil euros. Uma vez que não sabia estar a receber verbas indevidas, o pessoal da Marinha acreditava estar a cumprir a legislação e as ordens do DGAM, pelo que queria ver o ministro da Defesa "relevar a reposição das quantias".
O JN questionou o Ministério da Defesa para saber se foi aberto algum inquérito interno para apurar responsabilidades. Remeteu para a Marinha, que nega que tenham existido alertas.
À lupa
Que valor é este?
A compensação de pessoal resulta da prestação de serviços cobrados pelas repartições marítimas. Sejam vistorias, visitas obrigatórias a navios ou barcos de pesca, sinistros e salvamento marítimos, socorros a náufragos ou contenção de derrames no mar.
Como se distribui?
Conforme os casos, uma parte é destinada a despesas de funcionamento e investimento e o restante ao pessoal (60% nos casos de escalas de navio, atos técnicos e vistorias e 80% nos serviços de Polícia). Depois, é dividida em partes. Por exemplo, o capitão de porto recebe 7,5 partes, o escrivão 6, os agentes da Polícia Marítima 3, os assistentes operacionais 0,5.
Qual o limite?
O despacho n.º 8619/2002, publicado a 29 de abril de 2002, limita o teto das compensações de pessoal a 70% da remuneração-base. Um mês depois, na circular n.º 27/2002 T, o DGAM passou a considerar no base o Suplemento de Condição Militar, aumentando assim o teto das compensações.
Quanto foi pago?
Entre 2002 e 2020, mais de um milhão de euros terão sido pagos indevidamente. Depois da auditoria do Tribunal de Contas, a fórmula foi corrigida. Por lei, só pode ser exigida a devolução dos últimos quatro anos. O restante prescreveu.