A Federação Nacional dos Médicos admite fazer da contratação de médicos sem especialidade para os centros de saúde "um ponto de força" no processo negocial com o Ministério da Saúde. O bastonário da Ordem dos Médicos vai pedir uma análise jurídica ao artigo da Lei do Orçamento do Estado 2022 que diz ser " extraordinariamente grave" e pôr em causa a qualidade dos cuidados.
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Apanhados de surpresa, a Ordem dos Médicos, sindicatos e Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar reuniram esta segunda-feira à tarde para acertar posições sobre o artigo da nova lei do Orçamento do Estado que admite a contratação de médicos indiferenciados (sem formação especializada) para assumirem listas de 1900 utentes sem médico de família.
De acordo com a legislação, que entrou em vigor na semana passada, enquanto não houver condições para assegurar médico de família aos utentes dos agrupamentos de saúde com cobertura inferior à média nacional, podem excecionalmente ser contratados "médicos habilitados ao exercício autónomo da profissão" para ficarem responsáveis por listas de 1900 utentes sem médico de família, "especialmente em caso de doença aguda".
O termo "médicos habilitados ao exercício autónomo da profissão" corresponde a médicos que terminaram o curso de Medicina e o primeiro ano como internos de formação geral.
Tanto os sindicatos como a Ordem dos Médicos e a associação que representa os médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF) entendem que o artigo atenta contra a carreira médica e a medicina de qualidade.
A Federação Nacional dos Médicos (FNAM), pela voz de Rosa Ribeiro, admitiu que a anulação deste artigo "pode ser um ponto de força nas negociações com o Ministério da Saúde", cuja abertura foi anunciada pela tutela na semana passada.
Jorge Roque da Cunha, secretário- Geral do Sindicato Independente dos Médicos, considerou "um mau sinal o Governo fazer algo assim quando anuncia que vai negociar com os sindicatos".
Miguel Guimarães também afirmou que "formalmente a Ordem dos Médicos não foi ouvida" quando "estatutariamente devia ter sido".
Mais médicos podem abandonar SNS
E porque o artigo suscita dúvidas, Miguel Guimarães informou que vai pedir uma análise jurídica ao mesmo. "Se não houver uma anulação deste ponto, se o Governo insistir neste ponto, temo que os próximos tempos sejam muito difíceis", afirmou, clarificando: "temo que muitos mais médicos abandonem o SNS".
As várias entidades presentes no fórum médico de MGF, convocado pelo bastonário, consideraram que contratar médicos indiferenciados para os centros de saúde "não é a solução para a falta de médicos de família".
O problema não está na capacidade formativa, mas em captar e manter os especialistas a trabalhar no Serviço Nacional de Saúde (SNS), afirmaram. E para isso é preciso oferecer melhores salários e condições de trabalho.
Todos os anos há cerca de 500 vagas para formação em Medicina Geral e Familiar (MGF) e o próximo mapa de capacidades formativas a entregar à ministra terá cerca de 550 lugares, anunciou ainda o bastonário da Ordem dos Médicos.
"Há especialistas suficientes em Portugal para assegurar uma função que é exclusiva da Medicina Geral e Familiar ", garantiu Miguel Guimarães, adiantando que 1400 destes especialistas estão fora do SNS.