Portugal caiu para o 26.º lugar das democracias do mundo em 2023, mas ainda continua a ocupar uma posição favorável, depois de em 2019 ter conseguido o 8.º lugar no ranking. Por todo o mundo, os regimes autocráticos ganham força.
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Portugal caiu quatro lugares no ranking das democracias liberais, passando do 22.º lugar em 2022 para o 26.º lugar em 2023. A conclusão é do último relatório "Variety of Democracies", do Instituto V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, que é baseado em 71 indicadores, como o controlo dos governos e dos parlamentos, o sistema judicial, o respeito pela Constituição e as liberdades cívicas.
A lista de 179 países é liderada pelos países escandinavos, com Dinamarca (em 1.º), Suécia (2.º) e Noruega (3.º) na frente. China, Coreia do Norte, Afeganistão, Síria e Eriteia estão entre as últimas posições.
Portugal continua a ser dos mais democráticos
Em declarações ao jornal "Público", Tiago Fernandes, coordenador do estudo na parte relativa a Portugal, financiada pela Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), explica que, embora tenha havido um recuo, Portugal ainda se encontra no topo na lista de melhores democracias do mundo. "Portugal está na casa dos 20% dos países mais democratas do mundo", sublinha o investigador do ISCTE especializado em análises políticas sobre democracia. Em 2023, Portugal teve uma pontuação média de 0,75 (numa escala de 0 a 1), não muito atrás dos 0,88 da Dinamarca. "Não é uma diferença muito grande", aponta.
Portugal - que em 2019 ocupava o 8.º lugar do ranking - está agora ligeiramente atrás de Espanha (23.º), Itália (24.º) e Canadá (25.º), e à frente de países como Islândia (27.º), Japão (30.º) ou Grécia (50.º). "Portugal é uma democracia liberal consolidada. Está na 26.ª posição em 179 países", aponta Tiago Fernandes. O professor e investigador reconhece que houve um decréscimo nos níveis de pontuação global, sobretudo desde 2021, atribuindo-o à privação de direitos durante a pandemia, mas ressalva que isso "não significa que a democracia portuguesa está em crise como esteve a democracia húngara, a brasileira ou até a norte-americana”.
Média, justiça, fim da "geringonça" e Belém
“Não estamos a sofrer uma crise democrática. Estamos com algumas práticas democráticas que não estão a ser resolvidas e pioraram um bocadinho”, conclui, apontando que as principais áreas de declínio se centram na comunicação social, no sistema judicial, na perda de qualidade da administração pública e na tendência das maiorias parlamentares depois da "geringonça".
No caso dos média, as preocupações dizem respeito ao enfraquecimento da capacidade de garantir pluralismo, maior autocensura e ao crescimento de uma cobertura tendenciosa e ideológica. Quanto ao sistema judicial, há uma preocupação generalizada em relação às dificuldades do acesso à justiça e uma erosão em relação à transparência e eficácia das leis. "Houve ainda problemas relacionados com a liberdade de tortura antes de 2022, que creio estarem relacionados com o caso da morte do cidadão ucraniano no SEF, mas também uma ligeira erosão na independência dos tribunais", diz o professor ao diário.
Por outro lado, o fim da "geringonça", em 2019, fez cair "a capacidade de os partidos da oposição exercerem capacidades de controlo e investigação contra o partido do Governo", assim como a capacidade do Parlamento de questionar e investigar o Executivo. "Isso viu-se com as comissões de inquérito. Nunca deram em nada”, nota Tiago Fernandes, que aponta ainda as "interferências" do presidente da República e a "tensão institucional" gerada entre o Governo e o Palácio de Belém, que travou propostas levadas pelo Executivo ao Parlamento, como a morte medicamente assistida e o acesso das "secretas" aos metadados.
Crescimento económico das autocracias
O relatório deixa um alerta sobre como "a globalização está a favorecer mais as ditaduras do que as democracias", com o aumento do número de economias emergentes – os chamados "BRICS" – a fixarem-se através de regimes autocratas (com o Egipto, Etiópia, Irão, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos), o que corresponde também ao “enfraquecimento do poder económico das democracias”.
Países como Índia, China e Rússia têm aumentado a vigilância, censura e repressão, aponta o relatório, que destaca África do Sul e Brasil como democracias resistentes que enfrentam desafios (no segundo caso, o país "enfrenta o legado da polarização na sociedade deixada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro”).