Covid-19 cria novo desafio ao mercado funerário, mas resposta tem sido positiva. Protocolo de segurança nem sempre é cumprido e preocupa a Associação Nacional de Empresas Lutuosas.
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O coronavírus chegou praticamente sem avisar e enche os cuidados intensivos, mas abre também um desafio aos crematórios do país. Neste momento, o setor mostra-se preparado para as necessidades, mas Carlos Almeida, presidente da Associação Nacional de Empresas Lutuosas (ANEL), deixa o alerta para que não se repitam imagens como em Espanha e Itália: "As agências estão a dar conta do recado, mas é preciso pensar nas coisas, pois pode haver um momento em que a capacidade pode não ser a mesma. Por dia, cada crematório faz cinco a seis cremações".
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No total, Portugal tem capacidade para efetuar 180 cremações por dia, mas num plano de contingência admite-se que o número possa chegar ao dobro. "Mas, atenção, se não houver uma pausa a máquina avaria", avisa o líder da ANEL, que partilha algumas inquietações: "Continuam a haver alguns velórios e casos de pessoas que morrem, por exemplo, em Aveiro e a família quer que o corpo seja transportado para Estremoz".
O número de óbitos aumentou e as recomendações da Direção-Geral da Saúde (DGS) indicam que, "de preferência, se deve optar pela cremação". "Nas nossas agências, verificámos um aumento de cremações na ordem dos 30%. No crematório da Lapa, a subida atingiu os 50%, mas já estávamos preparados", diz, ao JN, Paulo Moniz Carreira, diretor-geral da Servilusa, uma das principais agências funerárias do país. "Está em curso uma formação de operadores de crematório. Temos sete crematórios espalhados por Portugal e podemos funcionar em horário alargado, de 12 a 14 horas. Num plano mais intenso, podemos ter o turno noturno", acrescenta o responsável, que se mostra sensibilizado com as famílias que, face às medidas de segurança, passaram a estar condicionadas na última homenagem ao ente querido: "As medidas têm impacto ao nível do luto".
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A Covid-19 mudou a vida, mas também a morte. As agências funerárias transportam o corpo do hospital para o destino final, sem abertura da urna e com presença limitada da família. O caixão não é aberto e os familiares têm de manter a distância de segurança, estando impedidos de ver o ente querido. "Nos grandes centros, as pessoas estão mais recetivas às explicações, mas noutras situações ainda não temos voz ativa para condicionar as pessoas", refere Carlos Almeida, que antecipa um cenário: "Em cada concelho, devia existir uma zona para preservar os cadáveres antes da tramitação legal. As Câmaras já têm muito trabalho, mas está a faltar este ponto final".
"Não lhe pude tocar"
António José Martins Pereira, 90 anos, foi uma das vítimas recentes da Covid-19. A filha Maria Teresa, professora de música no agrupamento de escolas de Argoncilhe, foi, a par do marido e outro casal, a única a estar presente no último adeus ao pai, no crematório da Lapa, no Porto. À distância e sem a companhia dos irmãos António José e Maria Gabriela, que também estão infetados. "O meu pai foi internado a 21 de março e morreu a 30. Não lhe pude tocar nas mãos no último momento e isso dói", conta Maria Teresa, de voz embargada, ao JN.