“O direito de reunião pacífica está a ser severamente atacado em toda a Europa” e Portugal não escapa a uma tendência para “restrições generalizadas” que prejudicam “manifestações pacíficas”.
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A conclusão é da Amnistia Internacional que, num relatório publicado nesta terça-feira, destaca “o uso de força excessiva e desnecessária, as detenções e ações judiciais arbitrárias, as restrições indevidas ou discriminatórias” que estão a levar a um “retrocesso sistemático do direito à manifestação”.
Ao JN, a coordenadora de investigação da Amnistia Internacional Portugal, Inês Subtil, lembra que o decreto-lei 406/74, que regula o direito de reunião/manifestação, “nunca foi revisto em 50 anos de democracia” e contempla “artigos que já não estão em consonância com as regras internacionais”.
E dá como exemplo os quatro professores convocados para prestar declarações no Ministério Público, como suspeitos do crime de desobediência, por não terem avisado as autoridades, com 24 horas de antecedência, de uma caminhada entre um estabelecimento de ensino e a Câmara de Oeiras, em defesa da escola pública.
O relatório “Pouco protegido e demasiado restringido. O estado do direito de manifestação em 21 países da Europa” critica também o facto de, em Portugal, subsistirem as restrições relacionadas com o horário e local de manifestações. É, por esse motivo, recomendado que “proibir preventivamente uma determinada reunião deve ser uma medida de último recurso”, só justificável “quando todas as outras restrições menos intrusivas não forem eficazes para atingir o objetivo pretendido, com base em provas precisas recolhidas, através de uma avaliação completa e individualizada”.
Ativistas equiparados a criminosos
Inês Subtil acrescenta que está a assistir-se a uma “retórica negativa contra os protestos”, o que promove sanções desproporcionais aos ativistas, cada vez mais “equiparados a criminosos”. Mais uma vez apresenta um exemplo, desta vez o de Francisco Pedro, que, em 2019, interrompeu um discurso do então primeiro-ministro António Costa, para criticar o projeto de alargamento do aeroporto de Lisboa.
O ativista do movimento ATERRA seria acusado do crime de desobediência, absolvido em primeira instância, mas condenado num segundo julgamento, depois do Tribunal da Relação de Lisboa ter acolhido o recurso do Ministério Público. Recorreu e a pena de multa ainda não é definitiva.
O “tratamento discriminatório e diferenciado por parte da Polícia” é outra censura feita pela Amnistia Internacional. “O papel das autoridades é facilitar e não restringir o direito à manifestação. Mas não é isso que está a acontecer, porque a Polícia não é imparcial”, denuncia Inês Subtil. A coordenadora de investigação refere, a este respeito, que a lei permite filmar acontecimentos de interesse público, mas sucedem-se as apreensões de telemóveis de manifestantes.
Um polícia punido em oito anos
Assim como continuam os casos de violência policial, a dispersão de protestos sem aviso prévio e as detenções injustificáveis, muitas vezes realizadas por polícias sem identificação. Iguais aos que se registaram nas contramanifestações a iniciativas promovidas pelo Grupo 1143, liderado pelo neonazi Mário Machado, em 3 de fevereiro e 10 de junho deste ano
Para Inês Subtil, estas situações não podem repetir-se. “A Polícia agrediu um manifestante que já estava no chão”, justifica, salientando, ainda que, desde 2016, “apenas um agente da autoridade foi sancionado pela Inspeção-Geral da Administração Interna, por atos cometidos durante uma manifestação”.
A investigação da Amnistia Internacional “traça um quadro muito sombrio dos ataques ao direito de manifestação em todo o continente europeu, onde as autoridades estão a difamar, impedir, dissuadir e punir ilegalmente as pessoas que protestam de forma pacífica”.