Portugal está a preparar um novo pacote de assistência militar à Ucrânia, disse em Kiev o ministro dos Negócios Estrangeiros, que foi condecorado esta terça-feira pelo presidente ucraniano, no fim de uma visita de dois dias ao país.
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João Gomes Cravinho indicou aos jornalistas portugueses, no balanço da sua presença na Ucrânia, que Portugal "vai anunciar muito em breve um novo pacote de ajuda correspondendo àquilo que são as necessidades do momento" das autoridades de Kiev.
O chefe da diplomacia portuguesa não precisou o tipo de ajuda que está em preparação, remetendo para um anúncio a ser realizado pela ministra da Defesa, Helena Carreiras, que, referiu, "tem feito esforços muito grandes" nesse sentido.
Segundo dados do Ministério da Defesa fornecidos à Lusa no final de dezembro, Portugal já entregou à Ucrânia, desde o primeiro trimestre de 2022, viaturas blindadas de transporte de pessoal M113 (total de 28) e respetivo armamento, além de três carros de combate Leopard 2A6.
Foi ainda disponibilizado armamento (espingardas automáticas, acessórios diversos, metralhadoras pesadas), equipamentos de proteção (capacetes, coletes balísticos, óculos de visão noturna), equipamento de comunicações, material médico e sanitário, munições de artilharia, sistemas aéreos não tripulados e geradores para produção de eletricidade.
O mais recente apoio previsto envolve três viaturas blindadas de transporte de pessoal M113 e duas M577 em versão de socorro e apoio médico.
Anteriormente, em conferência de imprensa conjunta com o homólogo ucraniano, Dmytro Kuleba, João Gomes Cravinho reiterou hoje a disponibilidade de Portugal para fornecer formação em caças F-16 às forças da Ucrânia, esperando que estes aparelhos estejam disponíveis no seu máximo potencial ao longo de 2024.
O ministro não indicou se a formação já está a ter lugar, remetendo, mais uma vez, esclarecimentos para a ministra da Defesa.
Vários países aliados, incluindo Países Baixos, Dinamarca, Noruega, Bélgica e Estados Unidos, prometeram algumas dezenas de F-16 à Ucrânia no âmbito de uma coligação internacional integrada também por Portugal.
O governante disse que, nas "muitas reuniões" que tem mantido com Dmytro Kuleba, é feito um ponto da situação relacionado com o conflito na Ucrânia, as necessidades crescentes do país para enfrentar a invasão russa e as contribuições de Portugal para o esforço de guerra.
Após a reunião com Kuleba, Gomes Cravinho encontrou-se com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, que condecorou o ministro português com a Ordem de Jaroslav, o Sábio , atribuída "por uma contribuição pessoal significativa para o reforço da cooperação interestatal, o apoio à soberania estatal e à integridade territorial da Ucrânia e a promoção do Estado ucraniano no mundo".
Tratou-se, na descrição do ministro português, de um momento "profundamente tocante", mas também, "de alguma maneira, um pouco confrangedor", justificando que "os ucranianos estão na linha da frente, estão a combater, estão nas trincheiras e os ucranianos que não estão nas trincheiras sofrem todos os dias o impacto da guerra" e, ainda assim, as autoridades de Kiev lembraram-se de condecorar uma personalidade estrangeira.
João Gomes Cravinho reiterou que interpreta este gesto como uma retribuição pelo "apoio consistente do Governo português e, sobretudo do povo português", ao fim de quase dois anos desde a agressão russa, iniciada em 24 de fevereiro de 2022.
Esta é a quarta visita do ministro português à Ucrânia, correspondendo "a momentos muito diferentes, momentos altos, momentos baixos, momentos de maior avanço no campo de batalha e outros que não se avança tanto", mas que têm em comum "sempre a mesma coragem e determinação".
Os ucranianos "não têm dúvidas sobre aquilo que é preciso, que é defender o seu país", afirmou, observando que esta guerra "é existencial para a Ucrânia" e para a própria União Europeia (UE).
"Uma derrota da Ucrânia seria para a União Europeia algo de profundamente abalador, se não mesmo algo de implosivo para a nossa União e, portanto, está em causa também a nossa segurança, a nossa paz e estabilidade no continente, em que nós, portugueses, também vivemos", advertiu.
Foi nesse sentido que enquadrou a visita hoje concluída à Ucrânia, após a concentração das atenções globais nos últimos meses no conflito no Médio Oriente, desencadeado pelo ataque do movimento islamita palestiniano Hamas em 07 de outubro contra Israel, que desde então promoveu uma ofensiva em grande escala na Faixa de Gaza.
"É muito importante sublinhar que os princípios e os valores que estão em causa lá [Médio Oriente] estão em causa aqui", alertou o ministro, referindo-se ao Direito Internacional e ao conteúdo da Carta das Nações Unidas, em matéria de solidariedade, assistência humanitária e obrigações em relação aos outros seres humanos.
Em ambos os casos, há "grandes paralelos", segundo João Gomes Cravinho, que exigem consistência quatro meses após os ataques do Hamas e a retaliação israelita e quase dois anos depois da invasão russa da Ucrânia.
Após um período em que o conflito ucraniano foi ofuscado pela crise no Médio Oriente, o ministro português considera que as atenções estão a recentrar-se novamente.
"É natural que as pessoas se recordem da importância de voltarmos a falar da Ucrânia", comentou o ministro dos Negócios Estrangeiros, adicionando que esse foco tem estado igualmente nos encontros de chefes da diplomacia da UE, como aconteceu no passado sábado em Bruxelas.
Kiev pede a Portugal mais apoio curricular e integração escolar de refugiados
O Governo da Ucrânia pediu a Portugal o aprofundamento do apoio curricular no pré-escolar e no secundário e também o reforço da integração escolar dos refugiados ucranianos, disse hoje em Kiev o ministro da Educação.
Em declarações aos jornalistas após um encontro com o ministro da Educação ucraniano, Oksen Lisovy, João Costa traçou um balanço positivo da sua visita de dois dias à Ucrânia, juntamente com o chefe da diplomacia portuguesa, João Gomes Cravinho, "na perspetiva da continuação da cooperação" no setor da Educação.
O ministro da Educação disse hoje que, no seguimento do projeto de reconstrução em Jitomir, associado ao "embrião de uma reforma do projeto educativo", o homólogo ucraniano pediu hoje o aprofundamento de cooperação na área curricular, tendo como referência o trabalho de Portugal no pré-escolar e no ensino secundário.
O governante ucraniano pediu também o reforço de integração dos estudantes ucranianos nas escolas portuguesas, após a invasão russa da Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.
Segundo João Costa, do registo de entrada em Portugal de 13 mil crianças e jovens, só cinco mil estão inscritos no sistema educativo, pelo que permanece "um número grande" de estudantes que apenas estão a receber ensino à distância das escolas ucranianas, cujas famílias tinham a perspetiva de um regresso mais rápido ao seu país.
"Era uma situação que se perspetivava que fosse temporária, mas infelizmente está a ser mais duradoura e, por isso, neste momento, o Governo ucraniano tem também esta preocupação", referiu o governante, tendo sido solicitada ajuda no sentido de se trabalhar com as famílias em Portugal e "aumentar e estimular a inscrição destes alunos nas escolas ainda neste ano letivo".
O ministro ucraniano, de acordo com João Costa, expressou igualmente a preocupação de que, no acolhimento daqueles alunos, seja prestada atenção à aprendizagem da História, da Geografia e da Literatura da Ucrânia, através de regimes híbridos, em que possam assistir a aulas 'online' sobre estas disciplinas, ao mesmo tempo que estão a seguir o currículo português.
Outro aspeto abordado pelos dois governantes está relacionado com a certificação das aprendizagens feitas em Portugal e na Ucrânia, "para não haver problemas com equivalências e reconhecimentos de graus" e ainda o projeto de tradução de materiais educativos para ucraniano.
"Temos vindo a construir e projetar a tradução dos materiais digitais que temos para ucraniano, para poderem ser utilizados aqui pelos muitos alunos que, infelizmente, ainda têm que ter aulas à distância, sobretudo nos territórios ocupados [pela Rússia]", esclareceu.
João Costa referiu que os esforços de Portugal na reconstrução estão de momento concentrados no Liceu 25, em Jitomir, cujo memorando de entendimento foi celebrado nesta cidade na segunda-feira, com a meta "de que seja emblemática para acompanhar a transformação curricular que a Ucrânia está a desenvolver", admitindo, porém, novos projetos mais à frente.
O ministro da Educação manteve-se renitente em avançar uma data para a reabertura do Liceu 25, notando que "há uma grande vontade, sobretudo dos pais e das crianças para que a escola esteja construída o mais rapidamente possível", mas também há muitos imponderáveis.
"Há um grande desejo que até ao final de 2025 já possa haver pelo menos uma parte da escola em funcionamento, mas obviamente qualquer compromisso que possamos aqui assumir depende de várias dimensões, até do próprio processo de contratação pública, que é complexo e da adjudicação da obra", referiu.
O primeiro dia da visita dos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Educação (João Costa) foi dominado pela presença dos governantes no Fórum de Reconstrução de Jitomir, a 150 quilómetros a oeste de Kiev, onde Portugal vai reconstruir uma escola de referência destruída por um bombardeamento russo em março de 2022. Hoje os dois ministros portugueses reuniram-se com os respetivos homólogos e foram recebidos pelo presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky.