Novembro, com 11 dias consecutivos no vermelho, fecha com 1265 mortes a mais face à média, quase um quarto das quais por covid. Frio e recuperação dos não covid entre as explicações.
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É um sinal de alerta. Portugal inverteu a tendência de ausência de excesso de óbitos iniciada no final de fevereiro, depois de 120 dias no vermelho e após um janeiro negro. Ciclo interrompido a 20 de novembro, por 11 dias consecutivos. Registando 1265 mortes a mais face à média 2017-2019 naquele mês. A covid-19 responde apenas por 24%. Com as faixas superiores a absorverem todo o excesso. Abaixo dos 70 anos não há sobremortalidade.
De acordo com os dados de ontem ao final da tarde do eVM - sistema de vigilância da mortalidade em tempo real que analisa os certificados de óbito -, novembro fecha com os últimos 11 dias em excesso de óbitos, com o dia 29 a chegar aos +28,4%. É preciso recuar a 26 de fevereiro, último dia com excesso. Depois de um janeiro horribilis, com 6593 mortes a mais, 88% das quais por covid.
O EuroMOMO, que monitoriza a mortalidade na Europa e cujo algoritmo é usado pelo eVM, coloca Portugal a subir a partir da semana 45 (8 de novembro em diante). Na última semana daquele mês, o indicador (Z-score, ler ao lado) estava nos 3,48, abaixo dos 6,40 do ano passado, mas acima dos 1,91 e 0,33 de 2019 e 2018, respetivamente, altura em que não havia excesso. Neste momento, Portugal, no contexto europeu, tem um excesso de mortalidade baixo - acima de 4 passa a moderado e de 15 a extraordinariamente elevado.
Os cálculos do matemático Carlos Antunes contabilizam um total de 1265 óbitos em excesso em novembro, dos quais 300 por covid, quase um quarto. Naquele mês, só houve um dia em que a mortalidade esteve abaixo da média 2017-2019, que utiliza na sua modelagem. Dados ainda dentro da margem de erro, diz o professor da Faculdade de Ciências de Lisboa, mas que "apontam o início da caminhada".
Impactos do frio...
Não se conhecendo as causas de morte, os especialistas ouvidos pelo JN colocam hipóteses em cima da mesa. A começar pelo frio, avança o matemático: "Não uma vaga, mas uma anomalia negativa da temperatura". De acordo com o Instituto Português do Mar e Atmosfera, na última semana de novembro o valor médio da temperatura mínima foi 4,53º C inferior ao valor normal para aquele mês.
"Se o inverno ainda não chegou e já há repercussões no excesso de mortalidade nesta altura, devemos antecipar um acréscimo no impacto", comenta o pneumologista Filipe Froes. Tanto mais que esta vigilância da mortalidade, diz o médico investigador da Escola Nacional de Saúde Pública, Vasco Ricoca Peixoto, "serve para dar sinais de alerta". Para Filipe Froes, "é preciso continuar a acompanhar e ver se é uma tendência persistente ou pontual, para gerar o conhecimento necessário para intervenções preventivas e corretivas".
Questionando, por sua vez, Vasco Ricoca Peixoto "se está tudo a funcionar na vigilância da gripe". O boletim do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge indica uma "atividade gripal esporádica" na última semana de novembro, com uma incidência de 20,7 por 100 mil habitantes. Numa altura em que "há um aumento da circulação de outros vírus respiratórios", sublinha o investigador.
...e dos não covid
Voltando ao campo das hipóteses, a entrada deste excesso pode "sinalizar uma diminuição da capacidade de resposta dos serviços de saúde em resultado da carga de trabalho muito grande associada à covid", admite o pneumologista. Mas, também, "a recuperação do pandemónio não covid", com os doentes, "muitas vezes, em formas de descompensação mais graves do que era habitual".
A que Filipe Froes, tal como Ricoca Peixoto, acrescenta "o aumento da atividade resultante da circulação de vírus respiratórios". De acordo com o Portal da Transparência do SNS, a 30 de novembro 7,68% dos episódios de urgência tinham diagnóstico de infeção respiratória, contra 4,32% no mesmo período do ano passado. Em 2019, respondiam por 13,33%.
A saber
EuroMOMO
Monitoriza a mortalidade na Europa com vista a detetar excessos de óbitos relacionados com gripe, pandemias ou outras ameaças à saúde pública. Trabalha com o Z-score que, de forma muito resumida, calcula o número de óbitos registados num determinado período sobre a mortalidade esperada (linha de base). Para o efeito, usam dados normalizados, ou seja, a linha de base é modelada excluindo quaisquer períodos com excesso de mortalidade, explicaram ao JN.
SICO/eVM
O eVM é um sistema de vigilância eletrónica da mortalidade em tempo real que analisa automaticamente os dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), atualizados a cada dez minutos, sendo por isso provisórios. Certificado esse feito por médicos.
Mortes
10 375
Óbitos registados em novembro passado, com um excesso de 1265 face à média 2017-2019. No ano passado, morreram 11 500 pessoas naquele mês.
O que dizem os médicos
Filipe Froes Pneumologista
"Se o inverno ainda não chegou e já há repercussões no excesso, devemos antecipar um acréscimo no impacto"
Vasco Ricoca Peixoto Médico investigador da Escola Nac. Saúde Pública
"A vigilância da gripe pode não captar grande parte dos casos e há um aumento da circulação de outros vírus respiratórios"