Vende-se em dezenas de sites por 500 euros. Já foi causa de morte de pelo menos quatro portugueses. Esquemas fraudulentos crescem devido à procura e o fármaco nunca chega aos interessados.
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"A entrega ao domicílio demora entre dois a três dias". Tão simples como comprar qualquer outro produto legal online, a aquisição de pentobarbital de sódio está acessível em dezenas de endereços eletrónicos. Em comprimidos ou em líquido, é um dos fármacos mais usados para praticar suicídio assistido.
Em Portugal, há quem o tenha comprado de forma ilegal "por cerca de 500, 600 euros" para simplesmente garantir "a paz que é saber que se tem uma saída". Fizeram-no à margem da lei porque a morte assistida, hoje em discussão no Parlamento, não é permitida.
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O pagamento destes produtos pode ser feito por transferência bancária ou até por bitcoins (uma criptomoeda). O valor dos portes chega aos 120 euros "para passar todos os postos de controlo até sua casa", explica ao JN um assistente de uma loja online numa conversa privada para esclarecer todos os detalhes de uma possível compra. Num outro site, garantem que a taxa de eficácia de entrega em Portugal "é de 99,8%. Amanhã temos um envio para aí".
Autópsias revelam 4 casos
Com a indicação da idade e do peso do cliente, recomendam a dose certa para que a droga funcione. A mesma que foi encontrada pelo Instituto de Medicina Legal em quatro casos, entre 2009 e 2015.
A ilegalidade da compra deste fármaco trava a publicação dos nomes de quem já o fez chegar ao nosso país via postal. Mas não é só isso. Até a simples procura de informação sobre este fármaco em associações pró-direito a morrer que existem no estrangeiro é escondida dos mais próximos, inclusive dos amigos. "Podem-me contrariar a vontade, impedir-me ativamente", e "Maria" não quer travões nesta matéria. Nem agora, nem depois.
Aos 75 anos, muitos deles vividos no estrangeiro, quer preparar-se muito cedo. As pesquisas que faz sobre morte assistida e substâncias como o pentobarbital são uma atividade solitária, quase clandestina, porque não aguenta pensar na "crueldade tremenda de uma doença prolongada".
30 registados na "exit"
Está de perfeita saúde, mas a mãe morreu demente. Não tem nenhum familiar vivo que a ajude no futuro e há menos de um ano inscreveu-se na "Exit", onde há registo de 30 associados portugueses. "A maioria quer saber de doses, stocks, encomendas e das questões legais relacionadas com o pentobarbital", explica Philip Nitschke, diretor da organização.
Neste, como em todos os negócios, nomeadamente nos ilegais, há fraudes. Os interessados fazem a encomenda e pagam centenas de euros por um produto que nunca chega. Os esquemas são cada vez "mais sofisticados", o que se explica pela "procura crescente e o efeito provocado pelas apreensões realizadas", conclui Philip Nitschke.
Em outubro, 300 agentes da polícia francesa montaram uma operação de combate ao tráfico deste barbitúrico que quando consumido em doses elevadas é letal. Apreenderam dezenas de garrafas.
Philip Nitschke é autor do livro eletrónico "The Peaceful Pill" ("O comprimido da paz", em tradução livre), obra que já chegou às mãos de "Maria" e onde se encontra uma lista de vendedores certificados. "Foi pirateado e incluíram lá sites de esquemas fraudulentos", diz o médico, o primeiro no mundo a praticar a eutanásia.