"Franquia e Farol são as principais praias de Vila Nova de Milfontes. Situam-se em plena foz do Mira, na margem norte do rio. São praias conhecidas pela fraca ondulação e acesso fácil, cativando por isso famílias com crianças, mas também os amantes dos desportos aquáticos", lê-se no sítio da Câmara Municipal de Odemira.
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O panegírico oficial de um dos méritos da praia do Farol - "fraca ondulação", lê-se na página electrónica - contrasta com a desolação da praia, completamente descarnada, expondo apenas rochas e grossos calhaus rolados estendidos à frente de um restaurante palafítico numa precária construção encastrada na extremidade do cordão dunar que o Plano de Acção do Litoral 2007-2013 anuncia estar em risco e necessitar de uma intervenção de recuperação.
"Agora tem menos areia. Há alturas em que fica mais cheia e outras, como esta, em que fica mais fraca". António Conceição Guiomar, 58 anos, é concessionário da praia há três décadas e afiança a segurança da zona. No Verão, claro. "No Inverno, é um bocado agitado", diz. Se tem mais ou menos areal do que no início, "não tem grande importância, porque as marés vivas" tanto levam como trazem areia.
"Se tivesse vindo há 15 dias, estas pedras estavam cobertas de areia, mas as marés vieram e levaram-na; se calhar, daqui a 15 dias enche-se outra vez", acrescenta, afiançando que o cenário muda de semana para semana, devido à dinâmica costeira da zona. "Eu aqui até nem considero bem praia - praias são nas Furnas e no Malhão".
Na praia, grosseiramente atapetada de calhaus rolados até à estacaria da frágil construção, ou caminhando-se para norte, são evidentes os sinais dos ataques enérgicos do mar. "Este ano, entrou mais ou menos dois metros nas dunas", conta Francisco Torrado, 63 anos. Desde que conhece a praia, vai num quarto de século, testemunha o avanço progressivo do mar. "Está a avançar, a avançar muito mesmo e este Inverno foi impressionante".
E, apontando o restaurante, com a fachada marítima assente em estacas, acrescenta: "Nem sei como é que isto ainda não foi com a água! Este ano, o mar bateu tanto, tanto! O que vale é que o dono retira as comportas da parte baixa e ficam só as estacas - o mar entra e sai". A admiração com a resistência cresce quando se recorda de ter observado ondas de dois metros.
A andulação fez os seus estragos para norte: o cordão dunar apresenta sinais de ravinamento e, já perto do sítio da Pedra do Patacho, a praia de calhaus denuncia a erosão pronunciada. "Este ano, há menos areia, mais pedra e menos praia", garante António Correia, 61 anos, frequentador da zona há 25 anos. Contas por alto, o areal deve ter recuado dez metros. É muito, num troço rochoso como este onde nos fala.
Um pouco mais para norte, num troço arenoso, o cordão dunar está cada vez mais fragilizado e a ruptura parece iminente. "Este ano, o mar comeu muita areia, mas não chegou à duna", testemunha Manuel Costa, 71 anos, frequentador da área há 45 anos. "Não é costume avançar tanto, mas as marés estão altas", explica, queixando-se da dificuldade de entrar na água.
Tinha acabado de tentar dar um mergulho nas ondas, interrompendo a leitura de um livro de recente aquisição e sobre um tema da sua paixão - "Por mares nunca dantes navegados", de Fábio Pestana Ramos - que fala da gesta dos descobrimentos e dos dramas pessoais e colectivos dos que partiram destas e chegaram a outras praias…