Pré-marcação na administração pública veio para ficar e os serviços são demorados
Desde a pandemia que vários serviços públicos dedicam mais tempo e recursos ao atendimento presencial com marcação prévia, com consequências para os cidadãos que chegam sem agendamento e ficam em longas filas à espera. Mesmo a senha não é garantida e os serviços são demorados.
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A prática da pré-marcação trazida pela pandemia veio para ficar e, desde então, que os atendimentos agendados não param de aumentar. Vários serviços públicos não estão a cumprir a orientação do Governo de dedicarem, pelo menos, metade do horário de atendimento presencial a cidadãos que não fizeram uma marcação prévia.
A situação é descrita pela Provedoria de Justiça, num relatório divulgado esta terça-feira sobre o atendimento ao cidadão nos serviços administrativos do Estado, como o Instituto da Segurança Social (ISS), a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e Espaços Cidadão. O diagnóstico resultou de visitas no terreno a 25 dos serviços públicos de atendimento em todo o continetente, realizadas, sem pré-aviso, durante os meses de setembro e outubro do ano passado.
A Provedoria de Justiça dá conta de que são vários os serviços do ISS que atendem os cidadãos exclusivamente por marcação, existindo "profundas assimetrias regionais" quer na celeridade quer no acesso à prestação de serviços sem marcação. Alerta, por isso, que esta prática tem impacto na relação entre a Administração Pública e público porque "afeta a vida dos cidadãos".
Os dados mencionados no relatório mostram como o atendimento agendado passou a ser privilegiado: em 2018 a Segurança Social realizou mais 294 mil atendimentos com marcação que passaram para mais de 1,2 milhões em 2022, quando o sem marcação diminuiu de mais de 8,5 milhões em 2018 para 4,1 milhões em 2022.
Violações da lei
Foram verificadas também violações da lei no atendimento ao público associadas à exigência de marcação prévia. Quem, por exemplo, precisou de entregar um documento em falta no ISS era necessário agendar a ida ao serviço. Para contornar a falta de meios, os serviços recorreram ao chamado "sistema de envelopes". Como o próprio nome indica, o cidadão coloca os documentos num envelope numerado e deposita-o numa caixa existente nos serviços.
O problema é que, "sem qualquer supervisão ou apoio de um funcionário", o recibo comprovativo da entrega é substituído por um destacável, preenchido pelo próprio cidadão. Sem prova da data de entrega ou verificação da documentação deixada, à Provedoria chegaram várias queixas de pessoas que viram os seus pedidos ser "ignorados por não terem sido apresentados através do formulário aprovado" ou "mesmo indeferidos" sem que lhes fosse previamente pedida a correção ou o envio do que estaria em falta, revela o documento.
Nesse sentido, a Provedoria de Justiça pede que seja assegurada, em todos os serviços, a emissão de recibo que comprove a entrega de documento ou requerimento, sem a necessidade de agendamento.
Senhas são escassas e esgotam em minutos
Quem procura os serviços sem marcar primeiro fica em longas filas à espera, e a senha nem sempre não é garantida. Na Loja do Cidadão do Saldanha, em Lisboa, as 38 senhas disponíveis no balcão do ISS esgotaram pelas 09.15 horas, 15 minutos depois da abertura, descreve a Provedoria de Justiça. Este é apenas um dos casos em que se esgotaram, em minutos, as senhas para atendimento sem marcação para o próprio dia, deixando de estar disponíveis durante praticamente todo o restante horário de atendimento.
A Provedoria considera ser necessário garantir um maior equilíbrio entre o atendimento com e sem marcação, bem como reforçar a capacidade de resposta nos grandes centros urbanos. Recomenda também que se deve aferir o tempo real despendido pelo cidadão até ao atendimento, considerando as filas que se formam antes da abertura dos serviços e as chamadas telefónicas não atendidas. Defende que se devem adotar soluções para gerir a afluência aos serviços e informar os cidadãos quanto ao tempo de espera previsto ou de que a capacidade se encontra esgotada.
Falta informação segura, clara e transparente
Mesmo as próprias informações sobre o atendimento, desde horários, serviços disponíveis, formas de contactos a exigência de marcação, nos sites oficiais, em vários casos, não são claras e estão desatualizadas. Uma situação "geradora, à partida, de confusão e de insegurança aos cidadãos quanto às condições em que podem ser efetivamente atendidos", atenta.
A Provedoria destaca como exemplo o site do ISS que diz não prestar "informação segura, clara e transparente sobre os atos que, em cada serviço, exigem ou não agendamento prévio", encontrando-se "dispersa pelas páginas de cada serviço" e "não é totalmente clara" quanto à possibilidade de atendimento por videoconferência do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.
A análise revela que os cidadãos costumam utilizar os meios digitais e as linhas de telefone disponíveis, mas constatou-se que nem sempre conseguem obter as informações ou esclarecimentos de dúvidas pretendidos.
Quanto ao atendimento à distância, a Provedoria sublinha que, por regra, é facultativo, convivendo com o presencial. Embora traga vantagens "inegáveis" e "possibilidades de flexibilidade, eficiência e uniformidade", a "grande assimetria" de combinações de ferramentas digitais adotadas pelos diversos serviços nem sempre tem ajudado a um atendimento eficaz, alerta. Sendo que nem sempre são "facilmente percetíveis" ao cidadão ao não serem anunciadas de "forma clara".