Presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza Portugal: "Sociedades sem coesão são sociedades inseguras"
Presidente da Rede Europeia Anti-Pobreza Portugal vinca que urge passar da intenção à ação. "Estamos cansados dos discursos. Está tudo dito. Falta fazer. E fazer é vontade política. É vontade de todos", frisa ao JN Maria Joaquina Madeira
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O atual contexto geopolítico pode deixar para segundo plano o combate à pobreza e a implementação da estratégia europeia?
Acreditamos que não. Aliás, é nestes contextos difíceis que mais se impõe uma estratégia europeia de luta contra a pobreza. É preciso, realmente, conciliar vários setores para poder ter uma linha de rumo com este grande objetivo de construir uma sociedade que dê oportunidades a todos. Que não é uma forma de gastar dinheiro, mas de garantir a todos os cidadãos aquilo a que têm direito. Porque todos temos que ter na vida garantia das necessidades básicas. Uma estratégia que dê não só condições para que as pessoas vivam com dignidade, mas que tenham condições de dar também contributos para a sociedade com o seu trabalho para que se sintam parte. Senão é uma sociedade que está dividida, sem coesão. E, como sabe, sociedades sem coesão são sociedades inseguras. Que põem em risco o bem coletivo. E é a negação do que defendemoss numa sociedade dita democrática e humanista e que tem sido o percurso das sociedades, sobretudo ocidentais.
Olhando para os números da pobreza fica a sensação de estagnação. Está Portugal “condenado” a ter dois milhões de pobres?
Não diria bem condenados, no sentido de que é uma coisa impossível. Acabar com a pobreza é uma coisa possível. É algo que está ao alcance da humanidade. É preciso é que haja vontade política. Que haja a convergência de vários setores que queiram assentar a construção da sociedade nos mais fracos. Nos que têm menos oportunidades. É como se fosse uma caminhada em grupo, em que as pessoas que vão à frente são aquelas mais vulneráveis, que andam mais devagar. E vão à frente na caminhada para irmos todos ao mesmo ritmo. A sociedade também devia, na sua organização, pôr as pessoas que estão em mais dificuldade à frente.
Caminhando lado a lado.
Cada pessoa é importante para a sociedade. Fazer programas que deem oportunidades aos que têm menos condições de acesso não é gastar dinheiro, é investir dinheiro. E é isto que a sociedade e os seus eleitos devem pensar. As pessoas em situação de pobreza não são um peso para a sociedade, são uma oportunidade se a sociedade lhes der as condições básicas para que se possam desenvolver. Uma pessoa pobre, antes de ser pobre é uma pessoa.
Sendo um fenómeno multidimensional faltam políticas integrado?
Na origem está um modelo de sociedade e de economia que criamos nesta visão global do mundo, conduzido pelas grandes empresas, pelas grandes economias, pelos grandes lucros. Que, nesse caminho, não foram cuidando daqueles que não aguentavam essa passada. A pobreza foi criada pelo funcionamento da sociedade, da economia e das políticas em geral. Não é algo que caia das árvores. De uma sociedade que ao não funcionar de forma inclusiva vai gerando essa pobreza. Resolver a pobreza não é agir sobre os pobres, é agir sobre as razões que estão na pobreza. Que é não ter economia inclusiva, não ter acesso aos serviços. A questão da habitação é um substrato fundamental de uma vida segura e digna. Esta crise da habitação vem acentuar, mais uma vez, a pobreza. E vão existir mais pessoas em situação de pobreza. O que me dá ideia é que, por um lado, temos medidas políticas que vão no sentido de minimizar - nenhuma política que vá no sentido das causas -, mas, por outro lado, estão a ser produzidos noutras áreas. Vamos ter mais uma crise nacional e internacional que vai, certamente, gerar mais situações. Se não transformarmos o modelo de sociedade nos seus pilares fundamentais dificilmente a sociedade não vai continuar a gerar pobres.
Acha possível mobilizar a sociedade para o bem comum?
O que acho muito triste é que nas nossas eleições o tema não é trazido ao discurso. É trazido à parte, os problemas da saúde… Este problema nacional, que até está na Estratégia Nacional de Combate à Pobreza como um desígnio nacional, não passa do discurso para a prática. O facto de existir uma estratégia em Portugal é muito positivo, mas tem que ser reforçada, tem que ser consistente, tem que ter os meios e os recursos suficientes e contar com a intervenção de todos os setores para poder obter resultados. Estamos cansados dos discursos. Está tudo dito. Falta fazer. E fazer é vontade política. É vontade de todos.