Manuel Beja, presidente da TAP afastado pelo Governo, afirmou esta terça-feira, que a sua demissão, bem como a da presidente executiva, Christine Ourmières-Widener, foram por "conveniência político-partidária". Acusou o Governo de ingerência e criticou o "controlo" exercido pelo ex-ministro Pedro Nuno Santos, com quem tentou falar quatro vezes "sem sucesso". Gerou também polémica um parecer da Linklaters que, segundo disse o PS, prova que a TAP sabia que o acordo com Alexandra Reis era ilegal. E soube-se que a CMVM abriu um processo de contraordenação contra a companhia.
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Manuel Beja, presidente do Conselho de Administração da TAP, que foi afastado pelo Governo mas ainda se mantém em funções, está a ser ouvido esta tarde na comissão parlamentar de inquérito à tutela política da gestão da TAP, para prestar esclarecimentos sobre a saída de Alexandra Reis e a respetiva indemnização de meio milhão de euros. A propósito, explicou que a TAP aguarda as instruções que solicitou, por correio eletrónico a 23 de março, à Direção-Geral do Tesouro e Finanças para pedir a devolução da indemnização. E revelou ainda que soube pouco antes de entrar na audição que a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) abriu um processo contraordenacional contra a TAP devido à informação prestada ao mercado sobre a saída da ex-administradora Alexandra Reis.
Sobre a sua própria saída, o "chairman" da TAP contou ter sido informado da sua demissão pelo ministro João Galamba que lhe ligou por volta das 10 horas, no dia em que o Governo anunciou o seu afastamento e o da CEO, a 6 de março. Mas garantiu que o ministro não fez referência à justa causa.
Recusou mudar voo em que viajava Marcelo
Já sobre o polémico pedido para mudar um voo de Moçambique devido ao regresso de Marcelo Rebelo de Sousa, Manuel Beja assegurou aos deputados que esteve sempre em linha com a CEO na recusa dessa solicitação. "A operação está sempre primeiro. Ficamos surpreendidos e incrédulos de que tivesse vindo do presidente", afirmou, quando Marcelo já garantiu que não partiu de Belém esse pedido.
Comunicados de imprensa passavam pelo Governo
Na audição parlamentar, começou por dizer que ia finalmente "quebrar o silêncio" que apenas manteve por "dever institucional". Considerou que o exercício da tutela política começou bem", mas "perdeu o Norte pelo caminho". Mas admitiu que a atuação do Governo, com Pedro Nuno Santos como ministro das Infraestruturas, foi decisiva na pandemia e na negociação com Bruxelas de um plano de reestruturação para a TAP.
Acusando o Governo de ingerência na TAP, exemplificou que os comunicados de imprensa passavam pelos ministérios das Infraestruturas e das Finanças, considerando que ultrapassavam as competências da Comissão Executiva e do Conselho de Administração da TAP. Um dos comunicados foi sobre a saída de Alexandra Reis.
"A saída de Alexandra Reis agravou estes problemas. Alertei os seis membros do Governo com quem trabalhei para a necessidade de melhorias na governança da TAP, fi-lo sem resultados", queixou-se ainda o "chairman" da companhia que se reuniu com João Galamba, atual ministro das Infraestruturas, no dia 10 de janeiro.
"Saída de Alexandra Reis poderia ter sido evitada"
Acusou, logo de seguida, o Governo de apenas o ter demitido e à CEO da companhia por "conveniência político-partidária".
Sobre a saída da administradora Alexandra Reis, afirmou que "mostrou os problemas da TAP". Garantiu que poderia ter sido "evitada" e que procurou estabelecer "pontes" entre as duas responsáveis da companhia, mas que a sua recusa "não impedia" esse afastamento. Juntamente com Christine Oumières-Widener, Manuel Beja assinou o acordo para a saída de Alexandra Reis.
Alegou ainda que apenas conheceu o acordo no dia em que foi assinado. "Tive uma conversa às 11.50 horas com Hugo Mendes e, no fim do dia, o acordo foi assinado", recordou. "Tentei evitar a decisão, mas assinei o acordo uma vez que não cumprir a decisão do acionista poderia ser considerado uma quebra do meu dever de lealdade, além de que a minha recusa não impediria a saída, porque seria suficiente a assinatura de dois administradores", explicou ainda.
As tentativas falhadas para falar com ministro
Admitindo que a nova distribuição de pelouros decidida pela CEO esvaziava as funções de Alexandra Reis, contou ainda que tentou, "sem sucesso", falar quatro vezes sobre o assunto com Pedro Nuno Santos.
Mais adiante na audição, falou ao pormenor das tentativas para falar com o então ministro das Infraestruturas. Contou que, a 9 de dezembro de 2022, alertou Hugo Mendes para a divisão crescente entre a CEO e Alexandra Reis. Mas "era claro que Hugo Mendes [então secretário de Estado das Infraestruturas] não era o decisor".
Insistiu então em falar com Pedro Nuno Santos durante o mês de janeiro do ano passado, quer ligando diretamente ao ministro, quer procurando estabelecer esse contacto através da chefe de gabinete e com o secretário de Estado. Lembrou, inclusive, que enviou uma mensagem ao ministro a 3 de fevereiro de 2022 para tentar marcar um almoço, mas sem resposta.
Atribuindo a saída de Alexandra Reis à iniciativa da CEO, relatou que as divergências entre ambas "foram crescendo ao longo do mandato e tornaram-se evidentes em dezembro de 2021". Mas crê que não colocariam em causa a execução do plano de reestruturação.
Carta sobre conflitos de interesses
Sobre os anteriores ministros, o presidente da TAP contou que enviou, em novembro de 2021, uma carta a Pedro Nuno Santos e a João Leão, então ministros das Infraestruturas e das Finanças, alertando para possíveis conflitos de interesse na administração da TAP pelo número insuficiente de não executivos e por as administrações da TAP e da TAP SGPS serem as mesmas.
Medina só o recebeu em janeiro
O atual ministro das Finanças, Fernando Medina, apenas o recebeu a 10 de janeiro deste ano e oito meses após ter solicitado a reunião. Foi agendada pelo novo ministro das Infraestruturas, João Galamba. Manuel Beja diz que insistiu na necessidade de melhorias na governança da TAP, que passariam por nomear gestores não executivos em falta, por criar canais formais de comunicação com o acionista e por separar as administrações da TAP e da TAP SGPS.
"Imobilismo das Finanças" trava Infraestruturas
Questionado sobre a não comunicação do acordo com a então administradora às Finanças, disse depois que "essa responsabilidade seria da tutela setorial e a articulação deveria ser feita pelos próprios". "Não me parece que deva ser o presidente da Administração a passar recados entre ministérios que muitas vezes não se entendem", disse Manuel Beja.
A propósito, atirou que "houve vários momentos em que a vontade de fazer acontecer do Ministério das Infraestruturas era desacelerada pelo imobilismo do Ministério das Finanças, e isso acontece com frequência".
"O email enviado por mim ao ministro João Galamba, em janeiro, lista vários temas que estão à espera de decisão da tutela", contou ainda o "chairman" da TAP.
Parecer da Linklaters mostrou que acordo não era possível
Manuel Beja admitiu aos deputados que teve conhecimento do email de Alexandra Reis de dezembro ao Governo, colocando o seu lugar à disposição de Pedro Nuno Santos e que a administradora lhe disse que não obteve resposta. E considerou ainda que a Inspeção-Geral das Finanças "deu cobertura aos membros do Governo".
Disse ainda não acreditar que Pedro Nuno Santos tenha percebido que se aplicava o estatuto do gestor público à saída de Alexandra Reis, como ele próprio não teve ao ler o parecer da sociedade de advogados Linklaters pedido pela TAP sobre os contratos de gestão, enviado depois ao Governo.
Antes, o socialista do PS, Bruno Aragão aludiu a um parecer da Linklaters, de janeiro de 2022, que refere a aplicação do estatuto do gestor público a sociedades como a TAP. O parecer foi solicitado pela TAP em resposta a uma "dificuldade que o Conselho de Administração sentia" e que é "taxativo". "A TAP tinha informação que a vinculava ao estatuto do gestor público", atirou o deputado do PS.
"É evidente que todos os envolvidos no processo, incluindo sociedades de advogados de renome, não tiveram consciência de que se aplicava neste caso o estatuto do gestor público", disse Manuel Beja, à semelhança da CEO e da ex-administradora.
CEO acusada de mentir
À margem da audição, o socialista Carlos Pereira acusou a presidente executiva da TAP de mentir ou, pelo menos, de omitir informação, referindo-se ao parecer da Linklaters segundo o qual todos os administradores da TAP estavam sujeitos ao estatuto de gestor público e a TAP sujeita ao regime do setor empresarial do Estado. Para Carlos Pereira, tal "confirma o relatório da IGF de que não era possível fazer-se o acordo com Alexandra Reis. E por isso era ilegal e nulo".
Ou seja, considera que a 12 de janeiro o chairman, a CEO e todos os administradores "conheciam que não era possível fazer acordo daquela natureza".