Rui Moura, geofísico e professor no Departamento de Geociências da Universidade de Aveiro, diz que o sismo que se sentiu esta segunda-feira em Portugal não era expectável, uma vez que teve lugar num local habitualmente com pouca sismicidade.
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É noutra localização, mais a sul, que se teme que um dia se situe o epicentro de um sismo de grandes dimensões, como o que arrasou Lisboa em 1755. E que pode trazer consequências devastadoras também para o Algarve.
Um episódio como o que aconteceu esta segunda-feira era expectável?
Ser expectável é relativo. Não era expectável, na medida em que, aquela zona, ali a meio entre a costa sul do Algarve e Lisboa, não é a zona com maior sismicidade. 'Sismicidade' é a característica de quantos sismos há e de quão elevados em magnitude costumam ser. E a zona que costuma ter maior sismicidade, tanto em frequência como em magnitude, é uma zona mais a sul, a sudoeste da ponta de Sagres e, também ao longo de toda a zona a sul da costa algarvia. Isto porque a placa núbia, que conhecemos como sendo a placa africana, contacta contra a placa a norte, que é a placa euroasiática. Tanto o de 1755 como o de 1969 tiveram origem nessa zona. O local onde hoje ocorreu um sismo de magnitude 5,3 é numa zona onde habitualmente há sismos de magnitudes significativamente mais baixas.
Qual será a explicação para isso?
Imagine-se um puzzle. Se eu empurrar o meu jogo de puzzle em baixo, é natural que as peças, a meio ou no topo, comecem a levantar ou até a saltar do próprio puzzle. Todo o nosso continente está reticulado com um conjunto de falhas, que tem a ver com a história geológica. Nomeadamente, os esforços tectónicos que abriram o Atlântico, causaram também falhas, que hoje verificamos como sendo vales pronunciados no território – como o Vale de Manteigas, ou o que vai de Vila Real a Chaves. Essas falhas são fruto do passado.
Os esforços principais são gerados pelo contacto das placas tectónicas. E nós temos um contacto de placa tectónica logo a sul do Algarve. Estamos na interface entre a placa africana e a placa euroasiática, onde nos inserimos. Sempre que há um esforço, uma tensão a sul, passado algum tempo, esse esforço, se for acumulando nessas pequenas falhas, essas falhas às vezes, por acumulação de tensão, mexem. E, ao mexer, ao fazerem a fricção entre dois pedaços de crosta bastante volumosos, esses movimentos de quilómetros quadrados de maciço rochoso, geram essas tensões.
Ou seja, eu diria que esta manifestação que se deu é um 'rejogar' das falhas que já existem, mas que têm sempre a ver com a parte da tectónica global.
Não é algo que alarme, então?
Não. Tenho estado a monitorizar e as réplicas que existiram foram pequenos reajustes, com magnitudes muitíssimo inferiores. Tivemos uma magnitude de 5, que é já um evento médio-alto, mas à distância que está da costa não causa grande problema, só causa o alarme. Mas, depois, esse reajuste pós-movimento causa outros pequenos sismos, outros pequenos reajustes, ao longo dessas estruturas de falha. Se me um bocadinho aqui, é natural que mexa um bocadinho mais a norte, ou mais a sul. Foi isso que aconteceu. E esses eventos subsequentes, as tais réplicas, foram na ordem do 1 a 1,2, houve um de 0,9. São magnitudes muito baixas, réplicas muito fracas, que nem sequer são sentidas. Só instrumentos muito sensíveis é que conseguem registar. Se houvesse uma crisme sísmica com vários sismos de 4,5,6, isso sim, já seria algo preocupante. Mas é interessante, porque do ponto de vista científico, não tínhamos verificado, naquela zona, penso eu, um sismo tão forte quanto este. Nós temos instrumentação adequada há relativamente pouco tempo, desde a década de 60.
Quando se fala que o terramoto de 1755 se pode repetir, o expectável, então, é que o epicentro não seja onde foi o do sismo desta segunda-feira.
Não, o expectável é sempre que seja bastante mais a sul. Estamos a falar de uma distância, em linha reta, de talvez uns 300 e tal quilómetros [em relação ao epicentro do desta segunda-feira]. Já existiu, por acaso, um sismo que teve epicentro em Benavente, mas foi bastante mais fraco. Só que, sendo em cima de Benavente, teve um efeito muito grande. É que o que nos protege dos sismos é a distância. Com a distância, a energia, a amplitude da vibração, cai exponencialmente. Mesmo chegando a Lisboa, chega mais fraca do que ao Algarve.
No caso de 1755, entra um conceito que é o risco sísmico. O risco é sempre uma mistura da multiplicação de duas coisas. Uma é a vulnerabilidade, que é quantas pessoas vivem num local, que tipo de construção é que tem, quão preparado é que se está para acudir, se tem bombeiros, se tem hospitais, se tem meios de Proteção Civil adequados. Depois, há a parte da perigosidade, que é a probabilidade de aquilo que ocorre poder afetar um local a determinado nível. Lisboa tinha dois condimentos principais: a densidade populacional muito grande e a construção muito fraca. E ainda outros fatores, como as encostas íngremes. Há muitos condimentos que fazem com que a resposta em Lisboa seja má. Tem a geologia que tem, tem a topografia que tem e tem os edifícios históricos, velhos, muitos deles sem qualidade de construção antissísmica. Tudo isso faz de Lisboa um sítio onde tem uma aplificação dos efeitos todos. Mas a probabilidade em Lisboa não é maior do que em Faro.
Em Faro será pior?
Faro é pior. Os efeitos do sismo, se fosse hoje, com as cidades que temos no Algarve, obviamente que seriam muito mais nefastos para o Algarve, não tenho dúvida. A quantidade de construção que hoje existe no Algarve não é semelhante à que havia no século XVIII. Falamos sempre de Lisboa, mas na eventualidade de haver um sismo como aquele que existiu, o Algarve seria um sítio que teria um grau de destruição muito grande. E, em termos de custo, seria um custo muito elevado.