É a substância ilegal mais consumida no país. E o haxixe chega a custar quatro vezes mais do que em 2019 devido à quebra da oferta.
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As recentes apreensões recorde de haxixe e de canábis inflacionaram o preço destes estupefacientes nos "mercados". E o aumento dos preços, provocado pela escassez, criou uma nova realidade: há cada vez mais consumidores a lançarem-se na produção caseira, em pequenas quantidades, para o autoconsumo. A Internet, que permite tanto o acesso ao material necessário para o cultivo da canábis como a compra de sementes, acelerou o fenómeno. Em Portugal, esta é a substância ilegal mais consumida e a que começa a ser usada mais cedo, aos 17 anos, em média. Hoje, o Parlamento discute dois projetos que propõem a legalização da canábis - um do BE, o outro da IL.
A pandemia da covid-19 levou, durante os dois grandes períodos de confinamento em particular, ao fecho das fronteiras, com as rotas habitualmente usadas por traficantes a serem alvo de apertadas fiscalizações. A consequência fez-se logo sentir das ruas com uma inflação sem precedentes e que tem vindo a crescer, apesar do desconfinamento. Fontes policiais revelaram ao JN que uma placa de 100 gramas de haxixe, que custava, em 2019, entre 80 e 150 euros, pode chegar hoje a ultrapassar os 600 euros.
A par do fecho de fronteiras, as apreensões recorde do ano passado criaram uma escassez no mercado. As autoridades portuguesas apreenderam, no ano passado, mais de 29 toneladas de haxixe, uma quantidade nove vezes superior à de 2019. Nos últimos dez anos, só em 2014 é que se registou um balanço ultrapassando as 30 toneladas.
O número de apreensões da Polícia Judiciária, PSP e GNR tem vindo a diminuir ao longo dos últimos anos, passando de 3076 em 2010 a 1685 em 2019. Esse facto revela que, cada vez mais, são detetadas grandes quantidades de droga e que as autoridades estão focadas em travar as maiores redes de tráfico, deixando os pequenos traficantes/consumidores para um segundo plano.
E são agora esses consumidores que, através da Internet, começaram a adquirir material para produções caseiras. Fonte da GNR explicou ao JN que, ao abrigo da lei, é possível importar material para a criação de canábis, alegando fins medicinais ou alimentares. "Há um tipo de semente de canábis que é autorizada e pode ser importada. Outra não. Mas a olho nu é impossível perceber a diferença e acaba por ser importada e passar nas alfândegas", adiantou a fonte.
Também domina nas escolas
Na Internet, os aprendizes de agricultores encontram vídeos e textos que ensinam a criar pequenas estufas em casa e assim produzir canábis para consumo próprio e para revenda. "A escassez e os atuais preços também criaram oportunidades para quem quer ganhar dinheiro", confiou outra fonte policial.
Segundo o Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e Dependências (SICAD), a canábis é a droga mais usada em Portugal. Dos 7,6% de prevalência em 2001, "o consumo sobe para os 11,7% em 2012, descendo em 2012 para os 9,4%, para voltar a subir em 2016/17 para 11%", lê-se no estudo mais recente, com dados até 2017.
O SICAD adiantou ao JN que, no grupo etário entre os 15 e os 24 anos - onde a probabilidade de se iniciar o consumo é maior -, "continua a ser a substância que apresenta as idades mais precoces", com uma idade média de início do consumo de 17 anos (igual a 2012). Nas escolas, as prevalências do consumo de canábis são "bem mais elevadas" do que as das outras drogas. Ainda assim, entre 2015 e 2019, a experimentação desceu de 16% para 13%.
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10% já consumiram
Em 2016/17, a canábis foi a substância ilícita com as maiores prevalências de consumo. Entre os 15 e os 74 anos, 10% já a consumiram ao longo da vida, 5% admitiram ter consumido recentemente e 4% disseram ainda consumir.
Jovens aderem menos
Segundo o ESPAD, estudo de 2019 feito com jovens de 16 anos, houve 13% que já consumiram canábis em algum momento da vida (em 2015 tinham sido 15%). Esta foi a prevalência mais baixa desde 2003, inferior à média europeia de 2019 (16%).
Heroína a descer
João Goulão, diretor-geral do SICAD, disse ao JN que a canábis passou a receber "maior atenção" devido à quebra da heroína, que "dominava completamente" o panorama há 20 anos.
14% dos homens e 6% das mulheres já usaram canábis (SICAD). Na faixa dos 15 aos 34 anos, 21% dos homens e 10% das mulheres já o fizeram.
53% das pessoas que procuram tratamento em ambulatório devido a drogas referem a canábis como causa principal. Nos internados é menos comum.
Saúde
Uso medicinal autorizado mas faltam produtos
Desde 2018 que a lei portuguesa permite a utilização de substâncias à base de canábis para fins medicinais quando outros tratamentos não funcionam. Mas há muito poucos produtos disponíveis nas farmácias: há um medicamento comparticipado (Sativex), cujo preço elevado tem afugentado a procura, e um suplemento alimentar - flor seca de canábis da Tilray - autorizado recentemente (sem comparticipação). O rol de indicações terapêuticas abrangidas é curto, o que leva a maioria dos doentes a recorrer à Internet para adquirir óleos à base de THC e CBD, os principais componentes da planta.