Projeto vai arrancar em cinco unidades locais de saúde para depois ser alargado a todo o país. Direção Executiva do SNS e Direção-Geral do Livro têm 60 dias para apresentar protocolo de implementação.
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Os doentes internados nos hospitais públicos vão ter acesso a momentos de leitura e a livros, de uma forma regular. Numa iniciativa inédita, as secretarias de Estado da Saúde e da Cultura juntaram-se para desenhar um programa nacional de leitura no Serviço Nacional de Saúde (SNS) que pretende contribuir para a recuperação dos doentes, para a humanização dos cuidados e para o aumento da literacia. Há cinco unidades locais de saúde (ULS) prontas a arrancar.
O despacho conjunto dos secretários de Estado da Saúde, Ana Povo, e da Cultura, Alberto Santos, assinado no dia 29 de abril e que deverá ser publicado na segunda-feira, determina a criação de um programa de promoção da leitura nas unidades do SNS. O diploma, a que o JN teve acesso, dá 60 dias à Direção Executiva do SNS (DE-SNS) e à Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB) para fazerem um protocolo de colaboração com vista à implementação do programa em todos os hospitais do SNS.
Já há exemplos de hospitais que, juntamente com associações de voluntários, emprestam livros e promovem sessões de leitura com voluntários e autores a crianças e até adultos internados, mas este programa pretende ser “um desígnio nacional”, referiu ao JN Ana Povo, realçando que o desafio partiu do secretário de Estado da Cultura.
O programa vai começar como projeto-piloto nas ULS do Tâmega e Sousa, de Coimbra, da Cova da Beira, de Castelo Branco e do Alto Alentejo, que estão prontas a implementá-lo, e depois será estendido a todo o país.
Para tornar a leitura uma prática regular em contexto hospitalar, o protocolo deverá contemplar a realização de ações de leitura, a criação de acervos bibliográficos nos hospitais, envolvendo autores, mediadores culturais, associações ou grupos de voluntários e também os municípios.
A secretária de Estado da Saúde acredita que o projeto avançará, seja qual for o resultado das eleições, porque a DE-SNS e a DGLAB manter-se-ão em funções independentemente do Governo eleito e porque o propósito a alcançar dificilmente suscitará oposição.
“Esta não é uma realidade dos nossos hospitais, mas pelo mundo fora, os hospitais têm a cultura dentro de casa, desde livros a instrumentos musicais” , realçou Ana Povo.
Benefícios no doente
Há vários estudos sobre os benefícios da promoção da leitura em ambiente hospitalar e do seu impacto na recuperação clínica dos doentes. Está provado que ler reduz os níveis de ansiedade, melhora o estado emocional e previne o declínio cognitivo, entre outras vantagens.
Uma dos estudos mais recentes, realizado pela investigadora australiana Elisabeth Wells em hospitais oncológicos, conclui que programas de leitura oferecem distração e escape e têm potencial para aliviar ou reduzir efeitos secundários de tratamentos de cancro, como as naúseas, a dor, a ansiedade, depressão e solidão.
Nesta perspetiva, o preâmbulo do despacho conjunto refere que “a promoção da leitura durante o internamento hospitalar pode representar uma componente de bem-estar social relevante no processo de recuperação da saúde".
O diploma destaca ainda que "esta prática pode contribuir positivamente para a melhoria do estado emocional dos utentes, reforçando a sua motivação e a adesão ao tratamento. Nesse sentido, pode ser entendida como uma intervenção de promoção da saúde pública e individual, ao favorecer o bem-estar psicológico, o estímulo cognitivo, e a redução dos níveis de ansiedade, com impacto direto na recuperação clínica”.
Aproveitar a rede de bibliotecas
Alberto Santos reforça que o objetivo é também “humanizar o tempo que os doentes passam nos hospitais”, permitindo o acesso a livros aos que têm autonomia para os ler e criando momentos de leitura com voluntários - liga dos amigos, universidades séniores, voluntariado jovem - aos que não têm essa possibilidade.
Em declarações ao JN, o secretário de Estado da Cultura, que começou a trabalhar no projeto em fevereiro, explicou que será o protocolo a definir como é que os livros vão chegar aos hospitais. A ideia é aproveitar a rede de bibliotecas locais instaladas, mas também está prevista a criação de pequenas bibliotecas nos hospitais que tiverem essa capacidade, através de doações e da aquisição de livros.
De resto, depois das leituras, também haverá caminho a fazer. “Isto pode não ficar apenas pelo livro, há outras manifestações artísticas que podem ser levadas aos hospitais, como o teatro e a música”, concluiu Alberto Santos.