Projeto que segue mais de 8500 crianças há 20 anos em risco por falta de verbas
Único no país, Geração XXI está na fase de avaliação dos 18 anos. Ausência de fundos ameaça investigação, alerta Henrique Barros.
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Como se processa o desenvolvimento da saúde ao longo da vida? E quais os impactos das condições sociais nessa caminhada? Há 20 anos que 8647 crianças são seguidas pelo Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP). O projeto Geração XXI, único no país, está agora na fase de avaliação dos 18 anos, com atraso e a um ritmo mais lento, estando o futuro desta investigação ameaçado pela falta de financiamento.
A análise da coorte 18 anos “já está atrasada, porque já têm 20 anos. Estamos a continuar a avaliar, neste momento quase 4000, mas muito devagar”. Por que razão? “Teve que desacelerar pela inexistência de financiamento”, explica, ao JN, Henrique Barros, presidente do ISPUP, instituto que nasceu ao mesmo tempo que a Geração XXI. Que, com esta declarações, não quer ser interpretado como “um choradinho”. Mas ponderado pelo trabalho feito. Que desmonta.
A Geração XXI “é um estrutura de ciência, que foi criada, que existe, e não é decente deixá-la acabar”. Nestes 20 anos, esta “estrutura de investigação, que é uma pérola internacional, publicou mais de centena e meia de artigos científicos internacionais e mais de 20 pessoas doutoraram-se com a investigação”. “Se isto não é valorizável...”, desabafa.
Chegou “o momento”, entende Henrique Barros, “em que os responsáveis em Portugal pela Saúde e pela Ciência têm que dizer: queremos ou não queremos”. E se concluírem que merece ser apoiado, “façam um concurso internacional, não queremos favores, mas se uma coisa custa um milhão de euros não pode ser paga com projetos que só dão 200 mil euros”, vinca.
Questionado sobre que financiamento recebeu até hoje, o presidente do ISPUP revela que, “diretamente à coorte 750 mil euros, depois mais nada”. Verba essa que, recorda, deveu-se “à clarividência da [então] responsável pelo [Programa Operacional] Saúde XXI, Dra. Maria Hermínia Cabral, que compreendeu que isto era muito importante e civilizacional”. Daí em diante foram garantindo verbas concorrendo a “projetos europeus e à Fundação para a Ciência e a Tecnologia”, que tem um teto “de 250 mil euros". Quando “só em análises [clínicas] são 1,7 milhões”.
Explicando: partindo de uma avaliação ao nascimento, os participantes foram sendo avaliados aos 6, 15 e 24 meses de idade e, depois, aos 4, 7, 10 e 13 anos. Decorre agora a avaliação dos 18 anos. “São amostras de sangue, cabelo, dentes. São centenas de milhares de amostras que estão no biobanco, numa riqueza absolutamente única”. Porque, à medida que “forem envelhecendo e adoecendo, daqui a 15, 20, 30 anos, vai ser possível tentar perceber se, da amostra de quando tinha três anos, havia algum marcador que hoje não conhecemos; é disto que estamos a falar”.
Com a particularidade de que faz uma intersecção entre os determinantes sociais e biológicos na saúde. Permitindo, por exemplo, perceber, através desta coorte, que Portugal assiste a um aumento da incidência e prevalência da obesidade infantil, quando no Norte da Europa se regista uma estabilização.