Ex-bastonário dos advogados lembra que os parlamentares não podem responder criminalmente ou disciplinarmente por exercerem as suas funções.
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O pedido do presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, para se refletir sobre a fixação de sanções para os deputados por comportamentos incorretos, falta de educação ou urbanidade nos trabalhos parlamentares, pode violar a Constituição. A medida, apoiada pelo PS, seria também "um caminho perigoso", porque poderia limitar o exercício do mandato e a liberdade de expressão, alerta, ao JN, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Luís Menezes Leitão.
A reflexão, que vai ser feita na conferência de líderes do próximo dia 10, surgiu na sequência de casos que envolveram o Chega: o desrespeito pela vice-presidente do Parlamento, Edite Estrela, e o protesto na sessão de boas vindas ao presidente do Brasil, Lula da Silva.
Aliás, o partido de André Ventura já sofreu uma sanção. Santos Silva informou a conferência de líderes de que vai excluir o Chega das comitivas do Parlamento que se desloquem ao estrangeiro para missões que envolvam chefes de Estado.
Trata-se de uma medida aplicada pelo Parlamento Europeu, através do nº 4 do artº 176 do seu Regimento, onde se institui a "proibição de representar o Parlamento numa delegação interparlamentar, numa conferência interparlamentar ou em fóruns interinstitucionais pelo período máximo de um ano". Os eurodeputados também podem ficar privados "do subsídio de estadia por um período de dois a 30 dias" se recorrerem a linguagem ofensiva, como o discurso de ódio e o incitamento à discriminação.
Pena de prisão
Em Portugal, o quadro legal em vigor não prevê a aplicação de sanções disciplinares aos deputados. Algo que Santos Silva acha que deve ser alterado, propondo uma reflexão sobre o regimento, o estatuto dos deputados, o código de conduta e o artº 322º. do Código Penal (que pune com pena de prisão de um a oito anos quem ofenda um chefe de Estado estrangeiro) e as competências da comissão parlamentar da Transparência.
O pedido do presidente do Parlamento é apoiado pelo PS. "Há muitos parlamentos que têm medidas disciplinares, como a câmara dos comuns (britânica), em que basta o deputado faltar à verdade e é retirado da câmara até ao fim do dia", apontou o vice-presidente da bancada socialista, Pedro Delgado Alves, acrescentando: "Infelizmente, 48 anos depois, é preciso olhar para as regras e ter novas".
Outros protestos
"Para os deputados, está prevista uma isenção de responsabilidades na Constituição", aponta, porém, o ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Menezes Leitão, alertando Santos Silva que nenhuma das medidas propostas pode ser implementada sem que se altere a Lei Fundamental.
Em causa, o nº 1 do artº 175º da Constituição, referente às imunidades, segundo o qual "os deputados não respondem civil, criminal ou disciplinarmente pelos votos e opiniões que emitirem no exercício das funções".
"A ideia de se sancionar um deputado não me parece uma boa política. Tem que se salvaguardar o direito à liberdade de expressão e poderia colocar em causa o exercício do mandato. Isso seria um caminho perigoso", sustenta o ex-bastonário, recordando que já ocorreram protestos, aquando da vinda de Ronald Reagan ou do Rei de Espanha, sem que se falassem em sanções.