Recomendada revisão do regime legal. Associações alertam para espera por avaliação superior a dois anos.
Corpo do artigo
A Provedoria de Justiça recebeu, até ao passado dia oito, 252 queixas relativas a atrasos nas juntas médicas. Menos duas reclamações do que no total do ano passado, sendo que, em 2019, tinham sido apenas 36. Há atrasos superiores a dois anos, quando a lei define resposta em 60 dias, mas o Governo não revela números de pendências nem tempos de espera. Ao JN, o Ministério da Saúde promete para breve novas regras, dispensando de avaliação presencial determinadas patologias.
Fundamentais no acesso a apoios para cidadãos com deficiência, nomeadamente benefícios fiscais e Prestação Social para a Inclusão (PSI), os tempos de espera por um Atestado Médico de Incapacidade Multiuso (AMIM) agravaram-se com a pandemia, quando as juntas médicas foram suspensas. À Provedoria de Justiça chegaram já, neste ano, 252 reclamações. Sendo que, "em queixas recentes, têm sido indicadas pendências desde o primeiro semestre de 2019", explica, ao JN, fonte oficial. Também a Associação Portuguesa de Deficientes e a Associação Salvador reportam esperas superiores a dois anos.
Um "problema", vinca a Provedoria, "anterior à pandemia, mas por ela evidenciado". Tendo sido já alvo de recomendação pela provedora Maria Lúcia Amaral, que defende a "revisão do regime legal".
Pendências por revelar
Nem o Ministério da Saúde nem as cinco administrações regionais de Saúde (ARS), contactadas pelo JN, disponibilizaram dados de processos pendentes. Adiantando a Tutela apenas que foram "constituídas 109 juntas médicas de avaliação de incapacidade, distribuídas por todo o território nacional, prevendo-se que este número continue a aumentar".
Na ARS Norte, desde a suspensão das juntas, "foram já criadas 54, sendo que, na maior parte dos agrupamentos de centros de saúde, foi possível criar mais do que uma, em alguns casos quatro e cinco juntas". Neste ano e até setembro, tinham sido realizadas 34 271 juntas médicas contra 7114 no ano passado. Para se ter noção, neste ano, a ARS Norte realizou mais juntas do que o total de atestados emitidos, no país, em 2020: 27 758. Vincando aquela ARS que continuará a "envidar esforços no sentido de conseguir responder a todos os pedidos".
Na ARS de Lisboa e Vale do Tejo, "estão nomeadas e a funcionar 35 juntas médicas, quatro das quais criadas já neste mês". Adiantando que, até "setembro do corrente ano, já foram realizados 17 mil atos de juntas médicas". Os tempos de espera "são muito variáveis", com a priorização dos agendamentos a ser feita com "base na gravidade/urgência das situações". As ARS do Centro, Alentejo e Algarve não responderam.
Atraso "desumano"
À presidente da Associação Portuguesa de Deficientes, Gisela Valente, chegam informações de que "as juntas médicas estão a ser retomadas lentamente, mas com atrasos consideráveis, em alguns locais muito superiores a dois anos, o que é inadmissível e desumano". O mesmo cenário é relatado pelo embaixador da Associação Salvador, Carlos Nogueira.
"Continuam a chegar queixas de pessoas impedidas de aceder aos seus direitos por falta de atestado". Reportando atrasos de "dois anos, ano e meio". O que, nalguns casos, pode mesmo significar um impedimento no acesso aos apoios: "Uma pessoa que tem um acidente e esteja no limiar, com 54 anos, com esta grandeza de atrasos ultrapassa o limite de 55 anos para aceder à PSI".
E a pandemia, sublinha Gisela Valente, não justifica tudo. Porque as "limitações" já vêm de trás, com "juntas médicas em alguns pontos do país com atrasos superiores a um ano, como é o caso de toda a área do Alentejo".
A SABER
Recomendação
A provedora Maria Lúcia Amaral recomendou ao Ministério da Saúde, a 10 de março de 2020, a "revisão do regime legal de emissão de atestados médicos de incapacidade multiuso" e "uma divulgação mais clara e abrangente do seu propósito e alcance". Recomendação justificada com a "receção de queixas em número crescente, em particular nos últimos dois anos, a maioria incidindo sobre demora na realização de junta médica por prazo muito superior ao de 60 dias, estabelecido na lei".
Prorrogação
Face aos atrasos, o Governo prorrogou, até 31 de dezembro deste ano, a validade dos atestados que tenham expirado em 2019 ou 2020, "desde que acompanhados de comprovativo de requerimento de avaliação de incapacidade para a correspondente reavaliação, com data anterior à data de validade".
Mais recursos
A Associação Portuguesa de Deficientes defende "o aumento de profissionais capazes de colmatar os tempos de espera". A Associação Salvador entende que, na maioria dos casos, deveria decidir-se com base nos "relatórios médicos" e, em "situação de dúvida, convocar-se junta médica".