A comissão representativa da iniciativa legislativa de cidadãos para o alargamento da licença parental para seis meses paga a 100% está a acusar o Partido Socialista de distorcer a proposta original, aprovada no Parlamento em setembro do ano passado, obrigando a que a licença seja partilhada entre os pais.
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Depois de ter viabilizado, com os restantes partidos da Oposição, a Iniciativa Legislativa de Cidadãos para alargar a licença parental paga a 100% dos quatro para os seis meses, o Partido Socialista quer condicionar o alargamento à partilha obrigatória entre os pais, imposição que não constava da proposta subscrita por mais de 24 mil cidadãos. A proposta do PS para alterar o projeto de lei, aprovado em setembro, deu entrada na Assembleia da República na sexta-feira, provocando a indignação de milhares de cidadãos. Desde ontem, milhares de e-mails têm sido enviados para os diferentes grupos parlamentares e para a Comissão de Trabalho, Segurança Social e Inclusão, responsável pela pasta, para denunciar o que consideram ser uma deturpação da proposta original. A mobilização popular já terá sido responsável por mais de 20 mil e-mails disparados.
"A proposta apresentada pelo PS não corresponde àquilo que a Iniciativa Legislativa de Cidadãos pretendia. A Iniciativa Legislativa de Cidadãos dá a liberdade à família de decidir como fazer a gestão dos seis meses, o PS quer obrigar a que os seis meses sejam partilhados", explica ao JN Beatriz Vasconcelos. A responsável pela comunicação da comissão representativa recorda que o projeto de cidadãos surgiu da necessidade de igualar o tempo de licença à recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS), de amamentação exclusiva nos primeiros seis meses de vida do bebé, e que a alteração do PS deita por terra essa ambição. "A Iniciativa Legislativa de Cidadãos protegia, em primeira instância, o cidadão, que é o bebé", aponta.
Para o PS, o aumento do tempo de licença deve ficar dependente da partilha entre os pais, algo que a comissão que representa a iniciativa rejeita categoricamente por considerar que essa escolha deve ser feita pela família. "O PS colocou na agenda a questão da igualdade e da partilha de género, quando não pôs na balança as vantagens para a saúde e para a dinâmica de cada família", expõe Beatriz Vasconcelos, frisando que a alteração do PS discrimina as famílias monoparentais, uma vez que quem cuida do bebé sozinho não terá uma licença paga a 100% por não ter com quem partilhá-la.
Estado não pode impôr dinâmicas familiares
A representante considera que o argumento de que a partilha do tempo de licença protege a progenitora é "uma falácia", defendendo que os benefícios "não se conseguem avaliar numa legislatura" e que, por isso, "há pouco interesse dos partidos em apoiar medidas com impacto a médio e curto prazo". "O que acontece com esta medida da partilha é que quem quer, efetivamente, estabelecer o vínculo com o bebé e amamentar durante os seis meses vai pedir na mesma a licença alargada e colocar férias. Estamos a tirar à mulher o seu próprio empoderamento de decidir se quer ou não amamentar em exclusivo conforme a OMS recomenda", justifica Beatriz Vasconcelos, exaltando que "não deve ser o Estado a impôr as dinâmicas da própria famílias".
O projeto de cidadãos aprovado no ano passado, com votos contra do PSD e do CDS, partiu da vontade de Carina Pereira, uma cidadã do Porto com dois filhos, que lutou pelo direito de os pais terem mais tempo com os bebés até morrer de forma inesperada, em 2021. Aquando da aprovação do alargamento da licença parental, os subscritores da proposta defenderam que a lei deveria intitular-se "Lei Carina Pereira".