O PS acredita que será fácil solucionar as reservas que levaram Marcelo Rebelo de Sousa a vetar as alterações ao Código dos Contratos Públicos, aprovadas com a abstenção do PSD. O diploma visa acelerar o investimento dos 57 mil milhões de fundos europeus que Portugal terá nos próximos anos.
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"Não há do presidente da República qualquer preocupação de fundo relativamente ao diploma", salienta o deputado Carlos Pereira (PS). Marcelo Rebelo de Sousa "vai ao encontro das nossas preocupações", afirma Jorge Mendes (PSD). As duas bancadas parlamentares, que viabilizaram um conjunto de alterações à lei para acelerar o investimento público financiado por dinheiro vindo da Europa, ainda não discutiram o veto. Mas Carlos Pereira acredita que será "facilmente acomodada" uma das duas objeções: o funcionamento da nova comissão independente de acompanhamento e fiscalização da aplicação dos fundos.
Na carta em que devolve ao Parlamento as alterações à lei aprovadas em outubro, o chefe de Estado pede aos deputados que ponderem de que forma a nova comissão se vai coordenar com o Tribunal de Contas, bem como garantam que nenhum membro tem ligações a entidades que poderão ser contratadas pelo Estado e que o presidente é escolhido pela Assembleia da República. A nova versão do diploma remete para um decreto-lei futuro, a aprovar pelo Governo.
Resolver a segunda objeção poderá ser "mais complexo", admite Carlos Pereira: de que forma serão punidas as entidades públicas e as empresas apanhadas pelo Tribunal de Contas em irregularidades ou ilegalidades.
As alterações à lei vão cortar o número de contratos sujeitos a visto prévio do Tribunal de Contas e subir os que são contratados através de consulta prévia e não de concurso público. Vai ainda permitir que sejam assinados contratos por um valor superior ao preço-base.
Neste cenário, Marcelo Rebelo de Sousa salienta a importância da fiscalização "a posteriori", com punição efetiva dos infratores - uma competência que pertence ao Tribunal de Contas, salientou Jorge Mendes.
Porta para corrupção
A oposição de Marcelo Rebelo de Sousa às alterações à lei "era inevitável", diz Catarina Martins, do Bloco, que votou contra as propostas do PS e do PSD. "Este veto era mais do que esperado e só lamentamos que nas comissões de coordenação regionais esse processo tenha ido até ao fim", disse, aludindo ao acordo entre os dois partidos para escolher os presidentes e um dos vice-presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional. Estas entidades deverão gerir uma parte substancial do Portugal 2021-27, o sucessor do atual Portugal 2020.
Também contra as mudanças à lei está a Transparência e Integridade. A presidente, Susana Coroado, aplaude a decisão de Marcelo Rebelo de Sousa. "Estamos muito contentes com a devolução do diploma, é uma oportunidade para que os deputados aperfeiçoem a lei", afirmou. Susana Coroado disse que, nos pareceres enviados ao Parlamento durante as audições públicas das alterações à lei, tanto o Tribunal de Contas quanto a Inspeção-Geral de Finanças referiram o "risco de corrupção, conluio e falta de concorrência", decorrente das novas regras.
"Não gosto de fiscalizações à posteriori", diz Susana Coroado. Ainda que se encontre alguma irregularidade, nada acontece, justifica. E dá como exemplo a obrigação de publicar todos os contratos públicos no Portal Base, que nem sempre é cumprida, sem alguma consequência. A Transparência e Integridade prefere que o risco de corrupção e má utilização de dinheiro público seja mitigado antes da assinatura dos contratos.
Apesar disso, reconhece que o processo de contratação pública é complexo, opaco e moroso.
Solução errada
O advogado de direito administrativo, Pacheco Amorim, concorda com o diagnóstico, que também o PS, o PSD e o presidente da República fazem: o atual sistema de contratação pública é incompatível com a rapidez de investimento que a União Europeia exige. Mas discorda da solução: reduzir a fiscalização prévia e facilitar a contratação através de consultas prévias a entidades, em vez de concurso público. "O grande problema está ligado com as reclamações, os pedidos de esclarecimento, os impugnações mútuas", disse. Estas "vicissitudes" dos concursos públicos continuarão a existir nas consultas prévias.
Quanto ao combate à corrupção, Pacheco de Amorim concorda com Susana Coroado: fiscalizar a posteriori, ou seja, depois de assinados os contratos públicos, é uma forma "soft" de reduzir a má utilização de fundos públicos.
Detalhes
Mais consulta prévia - A proposta sobe para 750 mil euros o limite para consulta prévia a cinco entidades. A partir daí, tem que haver concurso público.
Acima do preço-base - Hoje, é proibido assinar um contrato com preço superior ao do caderno de encargos. A proposta admite que o preço-base seja excedido em, no máximo, 20%.