"Qualquer condutor que tenha de trocar o carro terá de o fazer por um elétrico"
Uma vida dedicada ao setor automóvel em diferentes áreas e latitudes. Provavelmente seria assim que Miguel Fonseca, de 64 anos, definiria o percurso profissional. O CEO da área da Mobilidade e Transição Energética da Salvador Caetano Auto passou por 16 países e está a trabalhar há quase um ano na empresa portuguesa.
Corpo do artigo
Depois de passagens "estruturantes" por outros grandes nomes da indústria automóvel, como a Toyota, a Fiat, a Ford ou a Citroën, o engenheiro mecânico nascido em Ramalde, no Porto, está agora num cargo que considera de "missão", onde a descarbonização comanda os dias de trabalho. Miguel Fonseca olha para Portugal como "um dos líderes da mobilidade elétrica" na Europa, mas admite que há obstáculos na infraestrutura de carregamento e na faturação.
"Eu não diria que estamos nos primeiros passos da mobilidade elétrica em Portugal. Eu diria que estamos num processo acelerado", aponta Miguel Fonseca. Mesmo com um parque automóvel envelhecido – há mais de 1,5 milhões de veículos com mais de 20 anos a circular -, o peso dos carros elétricos está a crescer em Portugal. Nos dois primeiros meses deste ano, os elétricos representaram 21,23% das viaturas matriculadas naquele período.
Depois dos "early adopters", os primeiros clientes a experimentar um produto ou serviço inovador e com um poder de compra acima da média, o responsável pela área da Mobilidade e Transição Energética da Salvador Caetano Auto adianta que Portugal "está a começar a entrar no perfil do mercado em massa (mass market)" da eletrificação. "São pessoas que têm um rendimento mais em linha com a média, mas que não têm possibilidade de carregar o carro em casa ou no local de trabalho. As marcas automóveis começam a oferecer carros elétricos de preços mais acessíveis e com configurações adaptadas a este consumidor", explica.
"Não há soluções ideais"
A partir de 2035, qualquer carro novo colocado no mercado na União Europeia terá de ter zero emissões de CO2 (dióxido de carbono). Miguel Fonseca não tem, por isso, dúvidas de que a massificação dos carros elétricos está ao virar da esquina. "Qualquer condutor que tenha de substituir o seu carro de combustão interna, terá de o trocar por um elétrico, porque não vai haver alternativa", diz. O engenheiro mecânico estima que em 2040 existam 290 milhões de automóveis a combustão interna e 187 milhões de elétricos na Europa. "O mercado de usados de veículos tradicionais vai alterar-se e vão mudar também os padrões de utilização dos carros", sublinha.
Foram muitos os anos em que esteve afastado de Portugal. Com experiências na Bélgica, Inglaterra, Japão, Estados Unidos e na América Latina, o responsável da Salvador Caetano Auto considera que o território nacional é líder da mobilidade elétrica na Europa por vários motivos. Desde logo com a criação da rede Mobi.E que, entre 2015 e julho de 2020, disponibilizou carregadores gratuitos para quem tinha viatura elétrica. "As decisões dos governos podem sempre questionar-se. Nunca há soluções ideais, mas esta foi positiva e bem enquadrada", refere. Para Miguel Fonseca, os diferentes agentes do mercado "também tiveram uma atitude muito dinâmica sobre a mobilidade elétrica" e os "portugueses são abertos às novas soluções".
O CEO da área da Mobilidade e Transição Energética da Salvador Caetano Auto considera, contudo, que o licenciamento de instalações de carregamento de carros elétricos tem de ser "acelerado e desburocratizado". "Não se pode esperar nove ou dezoito meses entre o momento em que se decide fazer a instalação de um carregador até que se possa ativá-lo e colocá-lo a funcionar", explica. Segundo o site da Mobi.E, existem 6135 postos de carregamento de acesso público. A falta e a dispersão de equipamentos pelo território têm sido apontados como alguns dos problemas da mobilidade elétrica em Portugal.
Faturas complexas para os clientes
Miguel Fonseca defende que a faturação dos serviços deveria ser mais transparente e acessível aos condutores. "Não é que se esteja a enganar ninguém. Mas quando se fatura o carregamento a um cliente, há uma série de conceitos e de complexidade na fatura que as pessoas nunca percebem. Estão a pagar pelo quê? Quanto pagam pela energia e pelo lugar do posto?", aponta. Terminou a 29 de março o processo de consulta pública do Novo Regime Jurídico da Mobilidade Elétrica, uma fase que o responsável da Salvador Caetano Auto afirma que seria o ideal para pensar vários temas relacionados com a regulamentação do setor.
Depois da massificação dos carros elétricos, não faltará muito para o "shared mobility as a service (MaaS)", isto é, para a mobilidade partilhada enquanto serviço, diz Miguel Fonseca. Trata-se de um sistema que combina várias formas de mobilidade, em que o utilizador escolhe através de uma plataforma qual o modo de transporte que prefere. Pode ser uma bicicleta, um carro ou o transporte público. "Os carros passariam a ser frotas autónomas. Estamos a falar daqui a cinco a dez anos. É um horizonte muito curto. É já amanhã. Temos de nos preparar. Em termos de massificação, talvez daqui a 15 anos esse mercado seja uma realidade", refere.
Para o CEO da área da Mobilidade e Transição Energética da Salvador Caetano Auto, o ponto fulcral é "perceber qual o melhor momento para trazer volume a determinadas soluções", com a consciência do que tem "interesse para o bem-estar social e para a estabilidade económica".
"Ninguém lhes explicou o que era a mobilidade elétrica"
Ricardo Soares, diretor-geral da Go.Charge, empresa da Salvador Caetano dedicada à mobilidade elétrica, aponta ao JN que a inteligência artificial está a começar a ser utilizada na interação com os clientes, nomeadamente para tirar dúvidas e para facilitar o processo de transição energética dos utilizadores. "Ainda não conseguimos ter inteligência artificial a instalar carregadores [para carros elétricos], mas temos de facilitar todo o processo até chegarmos aí", explica. "O nosso trabalho é facilitar a forma como o cliente lida com esta transição. Todas as semanas encontramos clientes que transitaram para a mobilidade elétrica, mas ninguém lhes explicou o que era", acrescenta Ricardo Soares.