"Quando as classes médias são débeis e fracas, é a democracia que está em risco", alerta Silva Peneda
José Silva Peneda, antigo ministro do Emprego e da Segurança Social e ex-presidente do Conselho Económico e Social, avisa que a falta de equilíbrio entre o sistema político e económico pode levar ao "fim da democracia", defendendo a importância de criar um conjunto de políticas que protejam as classes médias.
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O maior desafio para o futuro do diálogo social e, consequentemente, da democracia, é encontrar um “novo equilíbrio” entre o sistema político e a economia. “Se não for encontrado este equilíbrio, eu temo o pior. E o pior é mesmo o fim da democracia”, alertou, esta terça-feira, José Silva Peneda, antigo ministro do Emprego e da Segurança Social, no encerramento das “Conversas de Café”, um ciclo de tertúlias organizadas pelo JN em parceria com a Faculdade de Economia da Universidade do Porto, com o patrocínio da Torre dos Clérigos.
Para o também ex-presidente do Conselho Económico e Social (CES), o sistema político não soube acompanhar “a fase de globalização” da economia e, quando tal acontece, “surgem as crises e os extremos”. Silva Peneda considerou que se o sistema económico for deixado “sem regras, entramos no gangsterismo”, cabendo à parte política a definição de regulação eficaz e de fiscalização adequada. De acordo com o antigo governante, a solução passa pelo reforço das classes médias, através de um conjunto de políticas “que as levem a ter o papel que já tiveram noutra época”. “O Aristóteles dizia, há 2500 anos, que a classe média é o coração da democracia. Quando as classes médias são débeis e estão fracas, é a democracia que está em risco”, apontou.
O economista avisou que embora a legitimidade democrática não depende exclusivamente do voto, mas também da capacidade de relacionamento com outros centros de poder. "Se quem tem a legitimidade política e democrática não tem capacidade de se relacionar, normalmente as coisas acabam mal. E, portanto, é mais uma razão para que sejam os governos a ter interesse em promover esse diálogo social. A busca do compromisso - que ao fim e ao cabo é isso que o diálogo social pretende, é a busca do compromisso no interesse comum, tentar conjugar diversos interesses - é a moderna forma de governar".
Novas causas sindicais
Questionado por Augusto Santos Silva, ex-presidente da Assembleia da República e moderador das tertúlias, sobre a perda de fôlego do sindicalismo, Silva Peneda concordou que as grandes causas que mobilizaram massas, como a luta pelas oito horas de trabalho, já não existem, mas defendeu que podem ser criados novos objetivos. Um “exemplo muito prático e concreto” é a criação de esquemas complementares de pensões, com incentivos para patrões e trabalhadores.
“Seria uma forma de criar uma nova área de interesse junto da negociação coletiva”, justificou o antigo responsável pela tutela, negando que o fundo de capitalização se traduzisse na privatização da Segurança Social. “Se forem criados incentivos fiscais para esta finalidade, tenho a impressão que o sindicalismo podia renascer e voltar a ter um papel importante. Portanto, eu julgo que não está condenado à inércia, depende muito do poder político em criar incentivos e instrumentos para que as pessoas adiram a uma causa. Agora, se não têm causa para aderir, de facto, é difícil buscá-las a casa", atirou.