Habitações não têm condições para acumular o trabalho dos pais e as aulas online dos filhos. Psicólogos pedem "serenidade adicional" aos educadores.
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As casas passaram a ser local de trabalho dos pais e, a partir de hoje, também serão escolas para as crianças com ensino à distância, uma realidade que aumenta a pressão sobre as famílias. As condições, dizem os investigadores, estão longe de ideais.
O stresse e cansaço da pandemia "poderão ser agudizados quando estão todos no mesmo espaço", com novas rotinas que "alteram as dinâmicas familiares", alerta Cristina Pereira, da Ordem dos Psicólogos Portugueses. Segundo a especialista, as famílias estão "sobrecarregadas" e o somatório do teletrabalho e ensino à distância na mesma habitação pode criar mais "pressão".
"Misturar espaço de trabalho com espaço pessoal e com o ensino à distância exige alguma serenidade adicional por parte dos adultos e tem de ser gerida e negociada com todos os que estão em casa", defende, sublinhando que há aprendizagens do primeiro confinamento que poderão facilitar a adaptação a esta nova realidade. Quem não tem uma sala diferenciada para as novas tarefas deverá tentar "criar espaços diferenciados no quarto ou na sala" e "evitar fatores de distração", aconselha Cristina Pereira, salientando que é preciso definir "objetivos e limites".
O problema de se terem mudado as salas de aula para as habitações vai muito além de ter (ou não) uma divisão própria e um computador com ligação à Internet. A professora Susana Peralta, da Nova School of Business and Economics, coordenou uma equipa que reuniu dados do INE e do Ministério da Educação, de 2018 e 2019, para traçar um retrato das condições de vida das famílias portuguesas com crianças até aos 12 anos. Os números mostram que já havia um "fosso desigual" na educação antes da pandemia, que "só pode piorar com o ensino à distância". Por isso, defende, que, "se não temos condições do ponto de vista sanitário para colocar todas as crianças na escola, pelo menos as pobres têm de ir já".
Em Portugal, explica Susana Peralta, "há 15,5% das crianças até aos 12 anos a viver em alojamentos sobrelotados e 9,2% em alojamentos com luz insuficiente. 12,9% das famílias não conseguem manter a casa aquecida".
Ansiedade afeta 10%
Para além disso, "apenas 20% das mães, que são geralmente quem dá apoio ao ensino, têm formação superior". Salas diferenciadas, bem iluminadas e aquecidas e um acompanhamento adequado são, para quem está nestas estatísticas, difíceis de conseguir.
Mas enquanto gerem o apoio às aulas e a vida familiar, há muitos pais que têm de estar em teletrabalho. As consequências foram medidas aquando do primeiro confinamento e não são animadoras. Um estudo da Universidade Europeia, divulgado em abril, revelou que quem tem filhos reportou níveis mais elevados de conflito no trabalho e com família (2,97%, em média), do que aqueles que não têm filhos. Os níveis de cansaço e stresse são maiores nas mulheres e em pessoas com filhos.
É difícil escapar à ansiedade, que afeta 10% das famílias. Das 807 famílias com filhos que foram inquiridas, entre abril e maio, pelo Instituto de Apoio à Criança, 112 pais revelaram níveis de ansiedade, stresse ou depressão severos ou muito severos e 9,8% das crianças apresentavam um nível de ansiedade acima do considerado funcional.
As investigadoras Fernanda Salvaterra e Mara Chora encontraram uma correlação, concluindo que "pais mais ansiosos, deprimidos e stressados têm, também, filhos mais ansiosos".