Ovelhas a controlar a vegetação em Lisboa, águias a afastar gaivotas e pombos em aeroportos e espaços comerciais, morcegos a evitar que os insetos devorem livros em bibliotecas ancestrais. Estão a crescer as soluções baseadas em animais para ultrapassar dificuldades nas zonas urbanas.
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Em Lisboa, até há um par de meses, era possível ver ovelhas no Parque da Bela Vista. Estranho? Tratou-se de um teste preliminar, no âmbito do projeto LIFE LUNGS, cofinanciado entre a Autarquia da capital e o programa LIFE da União Europeia, para controlo não mecânico de vegetação. Cerca de duas dezenas de animais da Quinta Pedagógica pastaram em áreas de prado de sequeiro biodiverso, semeado no âmbito do projeto por, entre outras características, necessitar de menos água.
A experiência permitiu recolher informação sobre a operacionalização institucional do uso de rebanhos para controlo não mecânico de vegetação e outros desafios que o recurso a animais pode acarretar num ambiente citadino. Atualmente decorre a fase de análise de resultados e reflexão.
A ação faz parte de um projeto muito mais amplo, que tem como objetivo principal a adaptação da capital às alterações climáticas, implementando ações que aumentem a resiliência da cidade, nomeadamente em matérias como as ondas de calor e gestão de água.
Nos aeroportos portugueses, as águias e falcões são cada vez mais procurados para afastar outras aves e evitar choques com os aviões. Mas há outros locais das cidades que também já não dispensam as aves de rapina para manter longe pombos e gaivotas, que sujam os espaços, deterioram os imóveis e, em alguns casos, chegam a ser agressivos para as pessoas.
A Animal Experience, por exemplo, tem águias, falcões e açores a marcarem presença em vários locais, como o Mercado do Bom Sucesso, no Porto, o porto de cruzeiros de Lisboa e o Centro Comercial Vasco da Gama, na mesma cidade. A mesma empresa também é requisitada por hotéis na capital e no Algarve e já ganhou alguns concursos públicos para atuar em aterros sanitários e para câmaras municipais, em vários pontos do país.
Aves treinadas para o stress das zonas urbanas
"É um método natural, que tivemos de adaptar à realidade ao século XXI e às cidades, por isso temos de ter alguns cuidados", explica Paulo Almeida, da Animal Experience, contando que as aves são treinadas para não entrarem em "stress" nas zonas urbanas, nomeadamente devido ao barulho, aos carros e à presença humana.
Também é preciso adequar as características das aves às circunstâncias do local onde vão "trabalhar". "Os falcões são muito rápidos e precisam de espaço. São mais para espaços abertos, como aterros e aeroporto". Já as águias adequam-se também a espaços urbanos porque são "muito ágeis e não precisam de tanto espaço para virar", conta o falcoeiro. Estas aves de rapina "suscitam sempre muita curiosidade", ma o falcoeiro assegura que nunca se deparou com qualquer situação em que tivessem sido atacadas pessoas.
Nas cidades, estas aves de rapina não caçam. "Apenas fazem afastamento dos pombos e gaivotas", especifica Paulo Almeida, explicando que para este tipo de trabalho necessitam de autorizações e licenças dos veterinários municipais, autarquias e do Instituto da Conservação na Natureza e das Florestas. "Acho que a população em geral aceita melhor estas soluções naturais do que outros métodos de controlo de pragas, como redes e veneno", conclui.
A grande ideia que começa a surgir é trabalhar com a natureza para resolver os problemas e não contra ela
Mas há outros casos que evidenciam o papel dos animais na resolução de problemas. Na Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra, por exemplo, mantém-se ainda uma colónia de morcegos que, por se alimentarem de insetos, dão um contributo importante para ajudar a preservar livros, confirma fonte da academia ao JN Urbano.
"A grande ideia que começa a surgir é trabalhar com a natureza para resolver os problemas e não contra ela", explica Luís Calafate, docente do departamento de Biologia da Universidade do Porto que tem estudado as dimensões da sustentabilidade e dos ecossistemas urbanos.
Nas cidades biofílicas, enunciadas pelo arquiteto Timothy Beatley, "dá-se uma importância grande ao mundo vegetal e animal", indo além do conceito de green cities (cidades verdes) - nas quais se "implementam parques, jardins e o uso de materiais ecológicos", entre outras medidas, para combater as alterações climáticas, refere Luís Calafate. Preconiza-se aqui um "desenho urbano" que permita às populações desenvolverem atividades e um estilo de vida ligado à natureza.
A introdução destes elementos naturais tem efeitos sociais, psicológicos e de bem-estar junto das populações
As soluções baseadas na natureza que têm surgido estão mais ligadas ao mundo vegetal, como a utilização de plantas para ajudar a tratar águas, "quebrar" o ruído nas cidades, "corte" do vento e reduzir a temperatura, acrescenta o docente. Mas os animais também podem prestar um papel importante. Quando se pensa em criar hortas urbanas nas cidades, como se podem dispensar as abelhas para a polinização?
Os benefícios destas soluções naturais nas cidades, esclarece Luís Calafate, estendem-se para além da resolução de um problema específico. Em muitos casos, a introdução destes elementos naturais tem "efeitos sociais, psicológicos e de bem-estar" junto das populações, frisa.