A desigualdade não é una. É uma realidade múltipla. Que assume múltiplas formas. Territorial, social, laboral. A desigualdade existe, persiste, mas reconfigura-se. Não há uma solução. Um plano. Mas planos e soluções que devem convergir e falar a uma só voz. De forma estrutural. Para já, o país fica-se pelas aspirinas, quais placebos.
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Isso mesmo foi debatido e sintetizado, esta sexta-feira de manhã, no painel "Portugal desigual" da Grande Conferência que assinala os 131 anos do Jornal de Notícias e que decorre, durante todo o dia, no Teatro Rivoli. Como explicou o economista Carlos Farinha Rodrigues, "a desigualdade é uma rotunda onde vão desembocar vários tipos de desigualdades". Sendo que "quanto maior a desigualdade, maior a pobreza". E, no nosso caso, provada está, sublinha o professor do ISEG, "uma relação de causalidade que vai da desigualdade para a pobreza".
A desigualdade é uma rotunda onde vão desembocar vários tipos de desigualdades
E de que forma se espelha no território? O geógrafo Álvaro Domingues deitou por terra a ideia dos mapas, do rigor dos mapas. "São uma poderosa máquina de ficção", frisa. Desde o mapa litoral/interior, ao de Lisboa/Porto, passando pelo rural/urbano. Porque a desigualdade existe, por exemplo, dentro do Portugal urbano, com bolsas de pobreza em Lisboa. "Não há uma realidade consensual, mas um mosaico de mapas que se vão ajustando aos discursos".
Como dentro da desigualdade de género existem também diversas desigualdades, alertou a socióloga Maria José Casa-Nova. No caso da mulher, com "desigualdades naturalizadas porque institucionalizadas, porque visto como algo que está impregnado na sociedade". Tal como a pobreza e o determinismo subjacente. "Essa fatalidade é das coisas mais terríveis no nosso país", frisou o economista Carlos Farinha Rodrigues.
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Com impactos diretos, prosseguiu, na coesão social, mas também no crescimento económico, travando-o. E quanto ao "mito de que primeiro é preciso criar riqueza para depois a distribuir", o professor do ISEG, que há anos centra a sua investigação na desigualdade e na pobreza, não podia discordar mais, por se pressupor que "o processo de criação e de redistribuição seja separado". Alertando a coordenadora do Núcleo de Educação para os Direitos Humanos da Universidade do Minho para a "emergência de uma nova classe trabalhadora, não de operários, mas de jovens licenciados, que exercem trabalho indiferenciado e ganham o salário mínimo". Um desafio, corrobora Farinha Rodrigues, para o qual "as políticas públicas não têm respostas".
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Perde a humanidade. Perdem os Direitos Humanos. Perdemos todos. E qual a saída? Descentralizando? "É um placebo", diz Álvaro Domingues, "criar a ideia que é necessário um mínimo de coesão para manter viva essa expectativa, sendo que os resultados da centralização também não são bons". Não se faz com uma política, com um plano. "Faz-se com pequenos gestos", adianta o geógrafo, "treinando-se as competências locais" com projetos-pilotos. "Não podemos ter políticas formatadas porque vai correr mal", avisa o professor da Faculdade de Arquitetura do Porto.
Para Carlos Farinha Rodrigues urgem políticas públicas sim, mas estruturadas, porque "muitas vezes levam a respostas fáceis, mas que não verdadeiras". Porque tendem a "subalternizar as questões sociais". Dando o exemplo dos subsídios: "São aspirinas que não resolvem um problema que é estrutural". Porque na raiz estão as qualificações, esse direito fundamental que é a Educação. Porque, ironizou Álvaro Domingues, "pensar global, agir local, tem muito de celestial".