Estudo avaliou persistência de sintomatologia em doentes diagnosticados no Hospital de São João nas 1.º e 2.º vagas. Fadiga, distúrbios do sono e estados depressivos são os mais relatados.
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Três meses após diagnóstico de infeção por SARS-CoV-2 sintomática, 40% dos doentes mantinham ainda algum sintoma. Com maior persistência nas mulheres e nas faixas etárias acima dos 30 anos. Fadiga, distúrbios do sono e sintomas depressivos, moderados a graves, são as queixas mais relatadas.
Os dados são revelados ao JN por Margarida Tavares, infecciologista do Hospital de São João e coordenadora do estudo que está a avaliar a condição pós-coronavírus (ou covid longa) nos pacientes diagnosticados naquela unidade hospitalar do Porto. Estudo este que contempla agora na sua amostra pacientes da segunda vaga.
Dos 3046 doentes do São João diagnosticados com covid sintomática que aceitaram participar naquele estudo, 40% revelaram que, após pelo menos 12 semanas, mantinham sintomas de covid-19. Com a fadiga (29,4%), distúrbios do sono (26,%7) e sintomas depressivos (21,5%) a serem os mais relatados. Seguem-se, adianta a também investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), a perda de memória (20,3%), dificuldade de concentração (15,4%), cefaleias (13,3%), falta de ar (10%) e anosmia (perda de olfato, 6,9%).
Sendo que, explica Margarida Tavares, em causa não está sintomatologia leve. Mas sintomas "descritos como moderados a graves em intensidade e frequência na semana anterior à entrevista" realizada pelos investigadores. Um inquérito telefónico, revela, com cerca de uma hora de duração.
Risco maior nas mulheres
Em colaboração com investigadores do ISPUP, a equipa do São João foi depois perceber os fatores determinantes desta condição pós-covid, a nova designação dada pela Organização Mundial de Saúde para a covid longa. Com uma clara diferença em género e idade.
As mulheres, diz, "têm um risco aumentado de covid longa". Numa análise estatística ajustada, apurou-se um "risco 40% inferior de condição pós-covid nos homens face às mulheres".
Do ponto de vista etário, todos os grupos acima dos 30 anos têm risco aumentado, sendo mais elevados nos 50-69 e +69. Risco esse que aumenta, também, e como a literacia científica tem vindo a mostrar, nos doentes covid que estiveram internados, com comorbilidades e/ou obesidade.
Entre os sintomas reportados durante infeção aguda, por outro lado, cansaço, falta de ar, cefaleias e perda de olfato surgem com potencial de aumento de risco de condição pós-covid. Do lado oposto, está a febre. Contudo, explica, são dados que carecem de mais análise, por forma a "determinar o efeito de um padrão de sintomas e não de cada sintoma individual".
São vários os passos seguintes que a equipa quer dar. Acreditando Margarida Tavares, com base nos pacientes com covid longa que acompanha na consulta, que "a grande maioria vai recuperar o seu estado de saúde e bem-estar". Razão pela qual gostaria de fazer "uma avaliação objetiva, com a realização de algumas análises". Para perceber "o que pode estar implícito como causa: se são características da doença ou do hospedeiro [o paciente]".
A análise de fatores genéticos "que possam implicar esta condição" e a "avaliação, nesta amostra, do efeito vacinação" são outras etapas previstas.
Desde março que não havia tantos internados
Os dados deste domingo da Direção-Geral da Saúde dão conta de mais 2323 novos casos de covid-19, detetados em 24 horas, e da ocorrência de oito óbitos, seis em Lisboa e Vale do Tejo, um no Alentejo e outro no Algarve. O número de internados continua a subir (672), mais 40 no total e mais nove em cuidados intensivos (153). Desde a última semana de março que não havia tantos doentes hospitalizados. A 25 de março eram 695, no total, e no dia 26 estavam 155 em intensivos.
Detalhes
Condição pós-covid
Conhecida como covid longa ("long covid"), foi agora designada pela Organização Mundial de Saúde como condição pós-coronavírus 2019. Foi definida como a persistência de sintomas por 90 ou mais dias após os sintomas inaugurais. O São João, em colaboração com o Instituto de Saúde Pública do Porto, está a avaliar doentes covid daquela unidade para perceber os efeitos da infeção ao longo do tempo.
Trabalho continua
A equipa de investigadores tem várias linhas de trabalho a que quer agora dar seguimento, garantido que esteja o financiamento. O objetivo é seguir ao longo do tempo aquela amostra de doentes, que Margarida Tavares designa como "coorte covid-scope".