Comissões começaram a ser constituídas há dois anos, mas quase não há queixas, o que resultará da falta de divulgação e de confiança das vítimas.
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Dois anos após a criação da primeira Comissão para a Proteção de Menores pela Igreja Católica, em Lisboa, apenas três denúncias chegaram oficialmente às dioceses portuguesas. Tal como recomendou o Papa Francisco após a Cimeira do Vaticano sobre o Abuso de Menores, todas as dioceses criaram comissões para acolher e tratar denúncias de abusos. Mas a falta de divulgação e de confiança nas instituições inibe as vítimas de se queixarem à Igreja.
A Igreja em Portugal tem 20 dioceses, divididas nas províncias eclesiásticas de Braga, de Évora e de Lisboa.
Em Portugal, apenas Braga e Bragança-Miranda receberam denúncias. Em Braga, as duas queixas apresentadas não deram origem a qualquer investigação. A justificação é de que se reportam a factos ocorridos há mais de 30 anos e estarão, por isso, "jurídica e canonicamente prescritas", tanto que um dos registos visa um pároco entretanto já falecido. Em Bragança, a queixa de que um rapaz de 17 anos terá sofrido abusos por parte de um sacerdote, em Vila Flor, levou a que a Comissão de Proteção de Menores e Pessoas Vulneráveis, ainda em formação, entrasse em funções mais cedo do que o previsto. A divulgação do caso, em 2019, fez com que a comissão entrasse em funções de imediato. O sacerdote, de 50 anos, foi afastado das funções que ocupava.
"É com preocupação que damos esta informação e a simples possibilidade de poder ter ocorrido um abuso deixa-nos apreensivos, por serem tão devastadores os seus efeitos e por ser uma conduta tão contrária ao serviço do Evangelho. Temos o propósito firme de estar ao lado do Papa Francisco na luta decidida para afastar este mal", referiu a diocese em comunicado.
"Nada nos foi comunicado"
"A falta de denúncias é proporcional à falta de divulgação da existência das comissões e ao receio das vítimas em expor-se e em tornar público o que sofreram", disse, ao JN, Marlene Matos, especialista em Psicologia da Justiça e docente na Universidade do Minho. E continuou: "A falta de crédito na instituição e nas pessoas que a compõem pode levar a que as vítimas não denunciem e prefiram levar o caso a tribunal, em vez de se queixarem às dioceses".
Em 2019, durante a criação das estruturas, o padre Manuel Barbosa, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) referiu que, "desde 2001", terão sido feitas "uma dezena de investigações pelas dioceses nacionais". Entre os responsáveis pelas dioceses, a constituição das comissões teve velocidades diferentes, porque diversos bispos entendiam que não era necessária a existência destes organismos.
Nos últimos anos, não há relato de qualquer caso fora de Braga e de Bragança. "O facto de não haver denúncias não quer dizer que não haja nada. Significa apenas que nada nos foi comunicado", afirmou Américo Aguiar, bispo auxiliar e presidente da comissão de Lisboa. Em todo o Mundo, há milhares de queixas e há dioceses e organizações católicas que faliram depois de pagarem indemnizações às vítimas. "Com a pandemia, as comissões foram reunindo online, mas é provável que as circunstâncias não tenham sido favoráveis a que surgissem relatos de casos", frisou um psiquiatra, membro de uma comissão de proteção, ao JN.
Sem denúncias, os grupos diocesanos voltam-se agora para a prevenção de abusos sexuais através da elaboração e da distribuição de desdobráveis sobre o assunto.