Comissão Nacional de Proteção de Dados apreciou 303 pedidos de identificação de telefonemas anónimos, mas o número real pode ser muito superior.
Corpo do artigo
A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) pronunciou-se, em 2021, sobre 303 pedidos de levantamento da confidencialidade de números telefónicos usados em chamadas anónimas "perturbadoras da paz familiar ou da intimidade da vida privada", o que representa um aumento de cerca de 20%% em relação ao ano anterior (255). Por lei, as vítimas de telefonemas indesejados podem pedir às operadoras de telecomunicações para identificarem o autor. No entanto, essa identificação só é desvendada mediante autorização da CNPD.
O volume de solicitações no ano passado, embora inferior ao de 2018 (491) e de 2019 (432), está novamente a crescer, depois de uma diminuição em 2020, ano marcado pela pandemia de covid-19. Os dados das solicitações para a identificação dos autores de chamadas incómodas, realizadas a partir de aparelhos cujo número é anonimizado pelo chamador, constam do relatório da atividade de 2021 da CNPD e referem-se apenas aos pedidos feitos à comissão pelas operadoras telefónicas, a requerimento das vítimas.
15079334
Mas podem estar bem longe de uma realidade que a perceção comum sugere ser frequente: talvez não falte quem tenha sido vítima ou conheça relatos de pessoas incomodadas com chamadas reiteradas e insistentes - umas silenciosas, outras limitadas a sussurros ou suspiros insinuantes, outras usando expressões ofensivas... Estarão todas refletidas nesta estatística?
Gonçalo Cerejeira Namora, advogado especializado em privacidade e dados pessoais, crê que a reduzida expressão dos pedidos se deve, sobretudo, "ao desconhecimento da existência deste mecanismo, que não é muito divulgado".
"isso Só na polícia!"
Nas páginas eletrónicas das operadoras, o JN não encontrou qualquer informação, avisando os clientes de que podem pedir-lhes que acionem o mecanismo de levantamento do anonimato dos chamadores, mediante parecer prévio da Comissão Nacional de Proteção de Dados (ver "Manual breve"). "Seria útil que tivessem essa informação, no seu próprio interesse, até prestariam um melhor serviço", comenta o jurista.
Numa loja, numa breve ronda do JN pelas operadoras, um funcionário, depois de muito procurar no computador, disse desconhecer um formulário próprio que um colega da linha de apoio nos dissera estar disponível nos estabelecimentos. Noutra, o empregado ao balcão limitou-se a insistir, com certa veemência, que "isso é só na polícia", depois de ter tentado remeter para a Anacom. Só numa da lojas, o funcionário deu indicações acertadas, fornecendo a morada da sede da empresa para o pedido escrito, que deve conter "mais pormenores possível".
No topo da página da CNPD (www.cnpd.pt), basta abrir o separador "Cidadãos", surgindo um secundário com as "Áreas temáticas": reprodução de cartão do cidadão, videovigilância por vizinhos e chamadas incomodativas. Mas muitas pessoas desconhecem-na.
"Intimidadas, as pessoas acabam por apresentar queixa na polícia, mas é geralmente contra desconhecidos", nota Gonçalo Namora. Ou seja, na linguagem judicial, uma pequena bagatela, que, se tiver seguimento, demorará tanto tempo com a obtenção de autorização judicial, que não terá realmente eficácia, adverte.
Em todo o caso, a queixa à polícia não é de descartar e a própria CNPD aconselha as vítimas a fazê-lo, se continuarem a ser incomodadas. Nestes casos, até porque muitas vezes podem corresponder a crime de perseguição, é a autoridade judicial a determinar o levantamento da confidencialidade, no âmbito de um processo penal, no qual a comissão nacional não intervém.
Processos abertos
Em 2021, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNDP) abriu 1228 processos de averiguação (1108 em 2020), numa tendência de aumento de queixas de cidadãos, embora alguns decorram de participações de autoridades.
Confidencialidade
A CNPD recebeu 318 notificações de violação de dados (301 em 2020), dos quais 249 por violação do princípio da confidencialidade.
Encarregados
No final do ano passado, estavam notificados à CNPD 4133 encarregados de proteção de dados (EPD) junto de entidades públicas (755) e privadas (3378), o que representa um acréscimo de 659 em relação a 2020.
Garantias contra cartões pré-pagos
Os números de cartões pré-pagos podem ser identificados, embora os seus donos permaneçam anónimos. Juristas, como Gonçalo Namora, defendem que deveria ser obrigatória a passagem de fatura com NIF.
Georreferenciação só para emergências
O número 3 do artigo 10.o da Lei de Proteção de Dados nas Telecomunicações prevê a georreferenciação, mas aplica-se apenas para localização de chamadas de emergência.
Marketing fica de fora
As chamadas com teor de marketing não se enquadram no artigo 10.o da Lei da Proteção de Dados, mas, no 13.-A.o, quanto a comunicações não solicitadas. Mas, por regra, são identificadas.
Três anos de Lei de Proteção de Dados Pessoais assinalam-se hoje. O diploma (Lei n.º 58), publicado a 8 de agosto de 2019, transpõe para a ordem jurídica nacional as regras europeias sobre o tratamento de dados pessoais.