Rabos, Grândola e "luxo": momentos (para rir e chorar) em que foi o povo quem mais ordenou
Do afamado momento dos "rabos ao léu" na era Cavaco e da manifestação aérea contra Sócrates até às "Grandoladas" de Passos e a episódios mais recentes já do período Costa, o JN recorda alguns protestos populares marcantes, inusitados e até tensos da vida política portuguesa.
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Gritando palavras de ordem pela "ação climática", quatro jovens interromperam, esta quarta-feira, a sessão de abertura das comemorações dos 50 anos da fundação do Partido Socialista, em Lisboa, resgatando um icónico gesto imortalizado há três décadas. Três dos manifestantes reagiram, da cintura para baixo, às políticas ambientais do Executivo, exibindo a palavra "Ocupa" nas nádegas. Do contexto político e social ao económico, muito mudou desde 1993 até agora, mas o que parece manter-se é a vontade de pôr a nu as fragilidades do Governo. Rigorosamente a nu.
"Rabos ao léu" há 30 anos
O protesto desta quarta-feira replica o célebre episódio dos "rabos ao léu", há exatos 30 anos e três dias. Era 16 de abril de 1993 e quatro estudantes da Universidade Nova de Lisboa baixavam calças e cuecas ao então ministro da Educação, António Couto dos Santos, durante um congresso do Ensino Superior, em Belém. No poder, estava o terceiro e último mandato chefiado por Cavaco Silva, num Portugal que chegava à reta final dos quase dez anos de governação cavaquista, marcada por um forte descontentamento estudantil com as provas de acesso às universidades e os aumentos das propinas. "Não pago" - foram as palavras que os quatro jovens manifestantes (iam ser cinco, mas houve uma baixa) pintaram a preto nas nádegas e mostraram tanto à sala como ao país, eternizando um momento relembrado e reproduzido mais de três décadas depois.
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Estudantes contra propinas na década de 1990
Depois das revoltas estudantis contra a ditadura de Salazar no final da década de 1960, as manifestações de estudantes voltaram a agitar o país na primeira metade dos anos 90, quando alunos do Secundário e do Superior se juntaram em protestos contra a Prova Geral de Acesso às universidades (que começou a ser exigida em 1989 e acabou revogada em 1993) e as propinas universitárias, nos quais Cavaco Silva quis mexer em 1991, pela primeira vez em 50 anos. O aumento anunciado foi estrondoso: o valor estava fixado em 1200 escudos desde 1941 (cerca de seis euros) e o Governo queria aumentá-lo para um mínimo de 50 contos (250 euros) em 1992/93, até chegar aos 200 contos (mil euros) em 1994/1995.
Protegido pela maioria absoluta conseguida nesse ano, mas beliscado pelo crescente descontentamento da classe estudantil, o social-democrata não viu tréguas nos três anos seguintes. Além do famoso episódio dos rabos, houve demissões na pasta da Educação, conflitos institucionais entre Governo e Presidente da República, e milhares de alunos nas ruas em várias ocasiões, ora em frente ao Ministério da Educação, ora às portas da Assembleia da República (literalmente às portas: em novembro de 92, manifestantes conseguiram furar o corpo policial e chegar à entrada principal do Parlamento).
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Acirradas manifestações com brutais confrontos com a Polícia aconteceriam até 1994 (então com Manuela Ferreira Leite à frente da pasta), cimentando um movimento que acabaria infamemente rotulado com a expressão "Geração Rasca", que um editorial do jornal "Público", publicado a 6 de maio desse ano, celebrizou, lançando o debate sobre toda uma geração.
Ovos contra ministra de Sócrates
A 11 de novembro de 2008, a então ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, foi recebida em Fafe com uma "chuva de ovos", por centenas de estudantes fafenses, quando se dirigia para uma cerimónia de entrega de diplomas aos alunos do programa "Novas Oportunidades". A governante chegava às instalações dos Bombeiros Voluntários de Fafe, onde a associação empresarial da cidade ia fazer a entrega dos diplomas, e onde cerca de 300 a 400 estudantes esperavam a ministra, quando o carro em que seguia foi atacado com ovos. O momento acabaria por ser replicado em março do ano seguinte, numa visita relâmpago de Maria de Lurdes Rodrigues a uma escola em Felgueiras: ao avistarem a ministra, alguns alunos foram a correr a um hipermercado próximo do estabelecimento de ensino e compraram ovos, atirando-os sobre Maria de Lurdes Rodrigues. Dois alunos foram identificados pela GNR.
Manifestação aérea
Não é todos os dias que um grupo de manifestantes recorre a um meio aéreo para fazer passar uma mensagem. Mas aconteceu a 1 de junho de 2011. José Sócrates, então à frente do Governo, foi recebido, num comício em Torres Vedras, por uma vintena de pessoas que protestava pelo fim do contrato de associação de um externato da zona com o Estado. No ar, uma avioneta passeava uma faixa alusiva à contestação. José Sócrates não deixou passar em branco o momento insólito: "Não nos deixamos impressionar por manifestações, muito menos por manifestações luxuosas", reagiu o antigo primeiro-ministro, ironizando com o facto de alguém "reclamar dinheiro do Estado utilizando meios caros". "Nunca vi", disse.
As "Grandoladas" na era Passos
O dia dos namorados celebra-se a 14 de fevereiro, mas foi a 15 que Passos Coelho teve direito a serenata. O ano era 2013 e o então primeiro-ministro era interrompido quando intervinha no debate quinzenal na Assembleia da República, por um grupo de pessoas que entoava a "Grândola Vila Morena", emblemático tema do 25 de Abril de 1974. Pedro Passos Coelho, que aguardou em silêncio a reposição da normalidade, comentou o seguinte: "Das formas como os trabalhos podem ser interrompidos, esta parece a de mais bom gosto".
As cerca de 30 pessoas que protagonizaram a homenagem à canção de Zeca Afonso em protesto contra a política passista foram depois levados a abandonar as galerias reservadas ao público, de onde assistiam ao debate. Já fora do Parlamento, Paula Gil, do movimento "Que se lixe a troika", explicou aos jornalistas que se tratou de uma ação simbólica para relembrar aos deputados que "é o povo quem mais ordena".
O momento musical viria a repetir-se uma e outra vez: ainda no mesmo mês, o social-democrata viria a ser surpreendido à saída de um evento em Lisboa por um grupo de manifestantes que entoava a senha de Abril, enquanto exigia a demissão da dupla Passos/Portas. No verão de 2014, a rua da casa de férias do então primeiro-ministro era o palco de manifestantes-cantores que protestavam contra as portagens na A22 e pediam a saída do Executivo. As "Grandoladas" - assim ficou conhecido o fenómeno - acompanhariam várias iniciativas públicas do chefe de Governo.
António Costa vs manifestante
Aconteceu a 4 de outubro de 2019 e, de tão inusitado, o momento até foi parar ao programa de Ricardo Araújo Pereira no domingo seguinte. No fim de uma arruada do PS na baixa de Lisboa, um popular abeirou-se do primeiro-ministro e então recandidato à liderança do Governo, acusando-o de estar de férias durante os incêndios de Pedrógão Grande (2017).
O registo de António Costa, que momentos antes segurava uma singela rosa vermelha enquanto distribuía sorrisos e abraçava populares, deu uma volta de 180 graus e nem a presença das câmaras de televisão acanhou os adjetivos. "Não estava não. É mentira, é mentira! É mentira isso! Eu, no dia 18 de julho, estava lá. Isso é mentira! É mentira o que o senhor está a dizer! É um mentiroso, um provocador. É um provocador aqui plantado", reagiu o primeiro-ministro, afastado à força da confusão, visivelmente exaltado e incomodado com o que ouvira. Ouça aqui o momento.
Pedro Nuno Santos: "Eu tenho que ir ali, homem, tenho que ir ali"
Na manhã de 20 de abril de 2021, estava a pandemia ainda longe de acabar, o primeiro-ministro e o então ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, foram recebidos em Valença do Minho com um protesto dos trabalhadores das Infraestruturas de Portugal (IP), que exigiam uma reunião com o Executivo com vista à valorização profissional. Foi neste segundo que se deu uma troca animada de palavras entre um manifestante e o antigo governante (que se demitiu em dezembro por "responsabilidade política" no caso da indemnização milionária da TAP a Alexandra Reis).
O momento é assim: um funcionário da IP dirige-se ao primeiro-ministro, exigindo que a comissão de trabalhadores da empresa seja ouvida. António Costa remete as questões para o presidente do Conselho de Administração e vira costas. Entretanto, Pedro Nuno Santos, que acompanha o chefe de Governo, entra em cena e, no habitual registo pragmático, responde ao manifestante, que o acusa de ter ignorado os pedidos de reunião com os trabalhadores da IP. "Espere lá, se há coisa que eu faço... Ouça, ouça, se há coisa que eu faço é reunir-me com sindicatos e comissões de trabalhadores. Olhe, faço mais do que qualquer um já fez nesta função", diz o então ministro, interpelado pelo trabalhador, que lhe pede para não virar costas. "Eu tenho que ir ali, homem, tenho que ir ali. Eu reúno convosco, eu reúno convosco", remata Pedro Nuno Santos, enquanto segue ao encontro da restante comitiva.
Dedo em riste em direção a Costa
Num ano em que a classe docente não tem dado tréguas ao Governo, António Costa tem estado no centro da indignação, juntamente com o ministro da tutela. Em março, dezenas de professores esperaram pela chegada do primeiro-ministro ao Teatro Municipal Constantino Nery, em Matosinhos. À entrada, Costa teve de se desviar de uma manifestante mais exaltada que se aproximou de dedo em riste. Tanto que até teve de ajustar os óculos... Recorde o caso aqui.