"Racionar medicamentos por razões financeiras é uma grave falha deontológica", diz Pizarro
O ministro da Saúde desdramatiza os novos critérios de desempenho que fazem depender a remuneração dos médicos de família da prescrição de exames e de medicamentos. Manuel Pizarro lembra que a portaria está em negociação e que racionar fármacos "por razões financeiras é uma grave falha deontológica".
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O projeto de portaria, que está a ser discutido com os sindicatos dos médicos e dos enfermeiros e a que o JN teve acesso, valoriza especialmente a prescriação de exames e de medicamentos em excesso pelos profissionais das novas unidades de saúde familiar (USF), assim como os internamentos e as idas às urgências dos utentes dessas USF.
O índice de desempenho das equipas tem 43 indicadores que avaliam o trabalho dos profissionais das USF, mas há quatro que pesam 40% do total: dois relacionados com a prescrição dos fármacos e meios complementares de diagnóstico e terapêutica, um que avalia a taxa de internamentos evitáveis e outro relacionado com a resposta das unidades de saúde (consultas no próprio dia) face às idas dos utentes às urgências. Estes indicadores já existiam para efeitos de evolução das unidades de saúde e para os incentivos institucionais, mas é a primeira vez que surgem associados à remuneração dos profissionais. O JN fez as contas e, para especialistas de medicina geral e familiar, este índice pode representar até 2860 euros por mês.
O ministro da Saúde desdramatiza e lembra que a portaria está em negociações com os sindicatos. O documento ainda não está fechado. "É preciso tranquilizar as pessoas nesta matéria. O novo modelo de incentivos dos profissionais das USF resultou de um decreto-lei. A portaria apenas transfere esse decreto-lei para a execução prática e está em negociação. O que vai acontecer amanhã [terça-feira] é mais uma negociação. O que fizemos foi simplificar o sistema. O que eu posso garantir é que as equipas que mantenham a sua atual performance vão ver aumentada a remuneração dos seus profissionais. Não há dúvida. Do ponto de vista de um médico, racionar a prescrição de um medicamento por razões financeiras é uma grave falha deontológica. Prescrever medicamentos de custo mais elevado quanto existem alternativa terapêuticas menos onerosas é também uma falha deontológica", sublinhou, esta segunda-feira de manhã, Manuel Pizarro, durante uma visita ao hospital da Prelada, no Porto.
Mais de 1800 médicos em especialidade
Um dia depois de terem sido conhecidos os resultados do concurso à especialidade e de terem ficado por preencher 400 vagas, nomeadamente em medicina interna e em medicina geral e familiar, o governante prefere uma leitura mais positiva dos números, embora reconheça que é necessário estudar a fuga de jovens da especialidade de medicina interna, que é uma "atividade nuclear dos hospitais".
"É preciso destacar os aspetos mais positivos: é o quinto ano consecutivo que entram na especialidade mais de 1800 médicos. Isso nunca tinha acontecido até cinco anos atrás. São cinco anos consecutivos com mais de 1800 médicos a entrar na especialidade. Entre estes que entram, há 240 médicos que, nos anos anteriores, não tinham escolhido nenhuma especialidade e que, este ano, escolheram uma especialidade. O mais difícl é a medicina interna, onde, ano após ano, se verifica uma diminuição da adesão à medicina interna. Uma parte é explicada pela criação da especialidade de medicina intensiva. São médicos que, antes dessa especialidade existir, provavelmente escolheriam medicina interna", assinalou o ministro, considerando que a opção dos jovens poderá estar relacionada com a atual "sobrecarga de trabalho muito grande" nos hospitais, quer na atividade regular, quer na urgência.
É preciso reorganizar os serviços de urgência
Numa semana que arranca com 36 serviços de urgência de todo o país com constrangimentos, Manuel Pizarro reconhece que é preciso "mais tempo para promover a reorganização das urgências para deixar de depender desta circunstância das horas extraordinárias, que, de facto, são um volume imenso e, a certa altura, torna o sistema difícil de gerir. Estas são mesmo medidas de contingência para garantir o funcionamento em rede do serviço".
No entanto, não estabelece uma ligação entre a luta sindical e a recusa dos profissionais de saúde de fazerem mais horas extraordinárias, para além do que legalmente estão obrigados. "Eu recuso-me a fazer uma associação entre as negociações sindicais dos médicos e o exercício individual por cada médico do direito de não fazer mais horas extra do que aquelas que a lei determina. É uma associação que não farei, porque me parece pouco legítima. Estamos a falar de um problema crónico do nosso sistema, que é a dependência do nosso sistema de milhões de horas extraordinárias dos médicos. Temos que criar um modelo que obvie essa circunstância e isso vai demorar tempo para fazer efeito. Temos de garantir que as medidas de contingência, que são tomadas no entretanto, dão resposta às necessidades dos portugueses e, até este momento, é o que tem acontecido. Quero prestar pública homenagem e agradecimento aos milhares dos profissionais do SNS, uns mais contentes, outros mais insatisfeitos, mas que têm garantido que os serviços funcionam, dando segurança aos portugueses".