A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) registou, no último ano, uma quebra de 16% nas vendas da lotaria instantânea, conhecida como raspadinha, mas os especialistas entendem que este não é um indicador de que o vício possa ter diminuído em ano de pandemia.
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O presidente do Conselho Económico e Social, Francisco Assis, quer avançar, imediatamente, com um estudo para perceber a real dimensão do fenómeno e espera que o Governo repondere o lançamento de uma nova lotaria - prevista no Orçamento do Estado de 2021 - para financiar intervenções no património cultural do país.
De acordo com os dados da SCML - que não foi ouvida sobre o estudo -, no período de confinamento, entre março e abril do ano passado, as quebras nas vendas das raspadinhas (que é líder de vendas e corresponde a 50% das receitas) chegaram a atingir "cerca de 60%". Foram, também, lançadas apenas 28 novas emissões, menos 12 do que em 2019. "Esta redução deveu-se ao abrandamento significativo da procura e consequente diminuição das vendas deste jogo", explicam os responsáveis, ressalvando que o aumento das vendas, entre 2010 e 2016, se ficou a dever, sobretudo, "ao aumento da base do número de apostadores e não ao aumento do dispêndio per capita, ou seja, do valor gasto por apostador". Em 2019, os portugueses gastaram em média 4,7 milhões de euros/dia neste jogo.
Superior a Espanha
Pedro Morgado, psiquiatra e investigador na Universidade do Minho, não acolhe os argumentos, lembrando que o consumo anual, em Portugal, "é dez vezes superior" a países como Espanha. "Os consumidores esporádicos reduziram brutalmente. Aquelas pessoas que frequentavam o café ou saíam para comprar o jornal e que acabavam por comprar uma raspadinha. Uma diminuição global do consumo não é um indicador seguro de que as situações de jogo patológico tenham diminuído", defende, sublinhando que o impacto da pandemia só terá reflexos mais tarde. "O que as outras crises económico-sociais demonstraram é que, de facto, há um aumento destas situações [vício] em momentos de crise", sustenta, criticando a opção do Governo de criar uma nova lotaria ainda este ano.
Francisco Assis admitiu, ao JN, que algumas reportagens e artigos sobre o vício da raspadinha o incitaram a avançar com um estudo sobre o fenómeno, composto por "uma equipa multidisciplinar". Na próxima semana, tem agendada uma reunião com investigadores ligados à Universidade do Minho, "onde já foi feita alguma investigação sobre o tema". O responsável entende que o Governo deve aguardar pelo final do estudo para decidir sobre uma nova raspadinha a favor do património cultural, com uma receita esperada de cinco milhões de euros/ano.
Pedro Morgado está certo de que "o Estado deve promover medidas que não proíbam o jogo, mas que o regulem de forma mais efetiva". A abolição de publicidade direta ou indireta associada à raspadinha e a ativação do mecanismo de autoexclusão são algumas propostas do especialista.
Receitas
620 milhões para projetos sociais e empregos
A Misericórdia de Lisboa adiantou que, em 2020, os mediadores dos jogos sociais tiveram receitas de 210 milhões de euros. Ou seja, cada um dos pontos de venda obteve em média 43 mil euros. "Estima-se que, na sua globalidade, estas receitas tenham assegurado mais de 16 mil postos de trabalho", afirma, sublinhando que, só a raspadinha, contribuiu com 141 milhões de euros para a receita obtida pelos mediadores. A instituição diz que o valor dos jogos é "totalmente devolvido à sociedade" em causas sociais como: acompanhamento de pessoas idosas e com deficiência, saúde mental e doentes oncológicos. No ano passado distribuíram 620 milhões de euros.