Redes sociais, financiamento e audiências: os desafios da liberdade de imprensa
Entre os desafios para a liberdade de imprensa, está a forma como são propagadas informações não verificáveis nas redes sociais, o financiamento dos órgãos de comunicação social e a consequente busca pelas audiências, bem como o aumento das forças populistas.
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Em debate na Casa da Música, no Porto, o ex-presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, e o ex-ministro do Desenvolvimento Regional de Portugal com a tutela da Comunicação Social, Miguel Poiares Maduro falaram sobre os desafios atuais à liberdade de imprensa, sugerindo algumas soluções para responder a eles. O tema foi debatido entre os dois governantes a propósito do aniversário do JN, que celebra este domingo 136 anos.
Para Miguel Poiares Maduro o momento atual é "extraordinariamente difícil para a sobrevivência" do jornalismo, já que as plataformas digitais promoveram a transferência do modelo de negócio tradicional (através da publicidade) para as redes sociais. A par disso, mudou também "a forma como as pessoas consomem e lidam com a informação". "Tendem a achar que podem, no mundo digital, através do motor de busca e das redes sociais, ter acesso à informação de forma direta [e rápida] dispensando estes mediadores [os jornalistas]", observa o também professor na Universidade Católica Portuguesa (UCP).
Augusto Santos Silva destaca, por isso mesmo: "Nunca precisámos tanto de jornalismo". Contudo, o também professor na Faculdade de Economia da Universidade do Porto, lamenta a redução da "diversidade do jornalismo", perdendo-se também as características editoriais de cada um. "Corro muito o risco de ler [ao longo do dia, e em diferentes órgãos de comunicação social], a mesma informação", constata. E acrescenta: "Não sinto propriamente que haja ameaças à liberdade de jornalistas, mas vejo uma ameaça que vem do próprio campo mediático e que tem muito a ver com responsabilidades editoriais, de perdermos o público porque olha para o produto e vê sempre o mesmo".
"Estamos aqui para defender o jornalismo"
O ex-presidente da Assembleia da República apela à autocrítica dos órgãos de comunicação social, mas também critica fortemente as plataformas agregadoras de conteúdo, descrevendo-as como "concorrência desleal". "Chamo-lhes mesmo roubo ou extorsão. Vendem um produto para cuja produção contribuíram em zero", sublinha.
Para Miguel Poiares Maduro, as plataformas deveriam ser "obrigadas" a contribuir financeiramente, com parte da sua receita, para apoiar os jornais. Até porque, a forma como o próprio jornalismo tem reagido a isto, nota, é numa "lógica de entretenimento barato". "O que dá mais pancadaria tem mais audiência. Um dos grandes desafios é resistir a essa tendência", sugere.
"Estamos aqui para defender o jornalismo", clarifica Augusto Santos Silva, pedindo apenas "atenção". "Se permitirmos que [o jornalismo] recue, estamos a colocar em perigo os próprios orgãos de comunicação social", alerta. Dá exemplo do "palco" dado "aos negacionistas". "O que é do espaço da opinião, é do espaço da opinião, mas não pode ser confundido com dar todo o palco e, até, excessivamente palco ou posições que, ou desmentem as regras mínimas de conhecimento ou negam as regras mínimas das artes profissionais relevantes ou as regras mínimas da democracia", sublinha.
"O JN é rentável" graças à ligação criada com o público
Quanto aos futuros e eventuais modelos de financiamento, Poiares Maduro olha para um modelo público como "possível parte da resposta", mas será sempre necessário "proteger regras de autonomia editorial". Entre os apoios públicos, sugere, poderá estar um eventual financiamento do consumo aos cidadãos (de assinaturas ou artigos, por exemplo). Haverá uma "forma mais fácil": "Permitir que o IRS seja utilizado para financiar projetos de jornalismo".
Santos Silva alerta, contudo, que "o que se puder fazer em termos de apoio público indireto, designadamente no sentido de incentivar a procura transparente e horizontal, será sempre relativamente pouco face ao modelo económico" necessário para sustentar os órgãos de comunicação social. Por isso, sugere uma análise dos modelos de "empresas rentáveis" como o JN para replicá-los. "O JN aliás, se o isolarmos, é rentável e isso tem muito a ver com o tipo de ligação foi criando com a região, com a população", sublinha o ex-presidente da Assembleia da República. Sugere, por isso estudar e melhorar "o modelo económico de autossustentação".
Ao mesmo tempo, salienta o papel do investimento de grandes grupo económicos no sentido de não só verem a comunicação social como uma oportunidade, mas também como "uma responsabilidade social".
Por último, Miguel Poiares Maduro salienta o crescimento do populismo como um dos riscos para o jornalismo, já que esses grupos, considera, "têm tendência a interferir" no setor. "Isso é resultado de o populismo ver-se como o único representante da entidade popular", observa.