A necessidade de testes à covid-19 para viajar, mesmo para pessoas completamente vacinadas, e uma terceira dose de vacinação, que o Governo ontem afastou, dividem especialistas, face a surtos que atingem imunizados há mais de seis meses.
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A discussão instalou-se com a publicitação de um estudo da Universidade do Massachusetts (EUA) sobre um surto que atingiu 900 pessoas, três quartos das quais tinham vacinação completa, mas apresentavam uma carga viral idêntica à que teriam sem vacina.
"É um estudo entre muitos outros", relativiza, ao JN, o epidemiologista Manuel Carmo Gomes, do Instituto de Medicina Molecular (IMM). Já se sabia que as vacinas não são 100% eficazes e que para a variante Delta, "vedeta" no estudo, a proteção é muito menor.
Ou seja, "as pessoas vacinadas podem ser infetadas e transmitir", diz. "Com a variante Alfa, as pessoas vacinadas infetadas (um risco de 5%) transmitiam, mas muito menos; com a Delta a vantagem não é tão grande", acrescenta o imunologista Luís Graça, do IMM.
Por isso, não são estranhos os surtos também em Portugal, em vários lares, que Carmo Gomes considera "uma situação particular, com repetitividade de contactos e, por vezes, mal ventilados". Com os estudos de avaliação da efetividade da proteção, "a expectativa continua a ser muito boa" e as infeções não são graves, acrescenta. Daí que uma terceira dose "deva ser encarada com muita reserva".
"Tem de ser demonstrada a evidência da perda de proteção e os dados conhecidos indicam que a proteção é significativa e duradoura na maioria da população", completa Luís Graça. Mas, para "alguns grupos vulneráveis, pode haver necessidade de reforço".
O pneumologista João Carlos Winck, da Faculdade de Medicina do Porto, defende-a já, "como em países como Israel ou a Islândia", para os vacinados há mais de seis meses - o prazo sugerido pela indústria. "Claro que tem os seus interesses, mas possui muitos dados que os estados não têm", argumenta.
Quanto à exigência de testes a viajantes, mesmo vacinados, que alguns países fazem, "devemos transitar para não necessitarem, desde que completamente vacinados há mais de 14 dias e sem sintomas", defende Manuel Carmo Gomes.
"Apesar da vacina e do teste, o vírus vai escapulir-se", comenta João Carlos Winck. "Os países asiáticos já exigem um teste feito no momento da chegada - e, nalguns casos, repetido três dias depois". Mas "veja o que aconteceu nos Jogos Olímpicos: toda a gente fez testes, mas foram encontrados depois alguns infetados!".