A associação ambientalista ZERO alerta que, nas últimas décadas, os programas de alargamento de hectares para a agricultura de regadio em território continental têm vindo a comprometer o combate à desertificação e à mitigação dos efeitos da seca. Apesar de Portugal estar há quase três décadas na linha da frente contra estes fenómenos, dizem que o projeto de ação não tem tido resultados no terreno.
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Em comunicado, a ZERO - Associação Sistema Terrestre Sustentável sublinhou que o combate à desertificação em Portugal não tem apresentado resultados efetivos, em parte porque as ações definidas no Programa Nacional de Regadios (PN Regadios) têm "antagonizado" vários dos objetivos estabelecidos no Programa de Ação Nacional de Combate à Desertificação (PANCD), com prejuízos para os territórios mais suscetíveis a este fenómeno.
Entre a lista de objetivos do PN Regadios contraditórios ao combate à desertificação em território nacional e que ameaçam esse objetivo, a ZERO sublinha a aposta na mono funcionalidade, isto é, numa única função das áreas rurais que estejam próximas, a degradação do solo devido a más práticas de instalação de culturas de regadio e o incentivo ao aumento exponencial do uso de água. O alerta da associação não-governamental surge no âmbito do Dia Mundial de Combate à Desertificação e à Seca, celebrado anualmente no dia 17 de junho desde 1995, ano em que foi proclamado pelas Nações Unidas.
O PN Regadios foi aprovado em setembro de 2018, mas esteve em curso desde 2014 no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR2020), com vista à expansão, reabilitação e modernização dos regadios existentes e a criação de novas áreas agrícolas regadas de norte a sul do país. No último ciclo da estratégia, o Governo previa que fossem criados mais de 90 mil hectares de regadio até 2022, no valor de 560 milhões de euros, repartido pelo PDR2020 (280 milhões de euros), o Banco Europeu de Investimento (BEI) (200 milhões) e o Banco de Desenvolvimento do Conselho da Europa (CEB) (80 milhões).
De acordo com a ZERO, "a política nacional de regadio tem vindo a despender milhares de milhões de euros em projetos de regadio, com especial incidência sobre o megaprojeto de Alqueva, que terá já sorvido mais de 3 mil milhões de euros, com mais despesas previstas na continuação da expansão", mas os investimentos não passam de medidas de mitigação dos efeitos da desertificação. A associação não-governamental questiona, por isso, se estes projetos têm contribuído verdadeiramente para travar a degradação dos solos nacionais.
A essa falta de alinhamento, acrescenta-se o facto de o próprio PANCD, em vigor desde 2014, carecer de "uma programação efetiva, com orçamento próprio ou clara articulação com a programação de fundos", lembra a ZERO, citando a avaliação à execução da iniciativa do Tribunal de Contas (TdC), conhecida em 2019.
Apelo à participação
Numa altura em que o Governo prepara-se para aprovar as bases do próximo programa de regadio, a ZERO atenta que a estratégia atual carece de uma avaliação dos impactos nos vários territórios do país, aconselhando a participação de toda a sociedade civil nesse processo, bem como na criação do novo programa. "A política nacional do regadio é política nacional da água, já que determina o destino da maior fatia das captações de água, por isso é necessário um envolvimento de toda a sociedade, especialmente das comunidades locais nos territórios que se encontram na linha da frente dos processos de desertificação. É preciso garantir que o Programa Nacional de Regadios se subordina aos objetivos do combate à desertificação", resume.
Com a duração do PANDC a chegar ao fim já no próximo ano, a Zero defende ainda que é urgente haver um "debate alargado e transparente" quanto à eficácia desta estratégia para que num novo programa sejam definidas ações concretas, bem como os meios financeiros necessários à sua execução, com vista à meta de alcançar a neutralidade na degradação do solo em 2030, conforme os objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) definidos pelas Nações Unidas.
A ZERO salienta que Portugal está cada vez mais árido: no período de 1960-1990, 36% do território nacional era suscetível à desertificação, entre 1980-2010 essa área correspondia já a mais de metade (58%) e a 63% entre 2000-2010. A associação detalha ainda que a Sul do Rio Tejo a área classificada como semiárido mais que duplicou entre os períodos 1960-1990 e 1980-2010. O cenário é mais severo no Baixo Alentejo, com 94% do território suscetível à desertificação, do qual 38% com suscetibilidade crítica.
Segundo o boletim climatológico do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA), referente ao mês de maio, todo o território continental encontrava-se em seca meteorológica, do qual 35% em seca severa e extrema, especialmente no vale do Tejo, Alentejo e Algarve. Nestas regiões os valores de água no solo eram inferiores a 10%.