Relatório preliminar escrito pelo Chega aponta para "interferência política" no caso das gémeas
O relatório com as conclusões preliminares da comissão de inquérito sobre o caso das gémeas tratadas com Zolgensma foi entregue, esta sexta-feira, no Parlamento. A relatora do documento, a deputada do Chega Cristina Rodrigues, aponta para interferência política que terá permitido às menores aceder ao tratamento.
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A entrega aconteceu esta sexta-feira, depois de sucessivos atrasos na redação do relatório, que ficou a cargo de Cristina Rodrigues. Em conferência de imprensa, na Assembleia da República, a deputada do Chega referiu que "houve uma interferência política" no caso das gémeas tratadas com Zolgensma.
Ao lado de André Ventura, a relatora do relatório preliminar da comissão de inquérito diz que há "exemplos evidentes" de uma "decisão política", nomeadamente as mensagens trocadas entre Nuno Rebelo de Sousa e o pai, Marcelo Rebelo de Sousa, e o empresário José Magro, um dos remetentes em emails trocados entre a mãe das crianças e o Hospital Lusíadas.
No relatório entregue na Assembleia da República, e que ainda será discutido na comissão de inquérito a partir de 26 de março, lê-se que Nuno Rebelo de Sousa foi "promotor da ilegalidade", mas a "responsabilidade política" cai nas mãos do presidente da República e do então secretário de Estado da Saúde, António Lacerda Sales.
Ambos, escreveu Cristina Rodrigues, "permitiram a criação e o desenvolvimento de um circuito irregular e abusivo de acesso ao SNS, através de interferência direta ou indireta naquele circuito". "Ficou provado que não foi um critério clínico que determinou a marcação daquela consulta [no Hospital Santa Maria], mas sim um critério político", lê-se no texto. A deputada do Chega considera que o documento por si elaborado deve ser enviado para o Ministério Público.
Marcelo agiu de "forma intencional"
"O presidente da República agiu de forma consciente e intencional, pois foi ele próprio que mandatou dois funcionários da Casa Civil (Maria João Ruela e Frutuoso de Melo) para verificarem a situação das gémeas, o que implicou contactos com pelo menos um hospital, vários contactos com o filho e o envio de ofício reportando a situação para o gabinete do primeiro-ministro, não tendo sido possível, no entanto, confirmar se este depois chegou ao Ministério da Saúde", aponta o relatório preliminar.
A comissão de inquérito ao caso das gémeas tratadas com Zolgensma tomou posse a 22 de maio de 2024 e chamou mais de 30 pessoas para prestar esclarecimentos em audições. O objetivo da comissão é verificar a legalidade e a conduta dos responsáveis políticos alegadamente envolvidos no acesso das gémeas ao tratamento milionário.
"Eventual abuso de poder"
A mãe das gémeas chegou a admitir em entrevista à RTP que nos corredores do Hospital Santa Maria, em Lisboa, se ouvia falar da influência da Presidência da República no caso.
"A conduta do Presidente da República é especialmente censurável por se tratar do Chefe de Estado e, como tal, qualquer pedido feito por si ou em seu nome tem inerente uma convicção de obrigatoriedade de cumprimento por parte de quem recebe o pedido, ainda que não seja necessariamente uma ordem, revelando assim a eventual prática de abuso de poder", aponta o documento entregue esta sexta-feira no Parlamento.
A relatora do documento escreve não ser possível quantificar qual o valor gasto pelo SNS no tratamento das gémeas, que incluiu não só o Zolgensma - considerado o medicamento mais caro do Mundo -, como as cadeiras elétricas, o internamento, a fisioterapia e demais produtos de apoio, detalha Cristina Rodrigues. Uma quantia que não foi possível apurar, "mas que se pauta em vários milhões de euros", refere.
Problema com "máfias dos agendamentos"
Além dos procedimentos clínicos, subsistem dúvidas sobre se houve ou não "interferência política" na obtenção de nacionalidade portuguesa para as crianças. O documento salienta, porém, que "ficou claro que efetivamente existia um problema com as designadas «máfias dos agendamentos» que ocupavam todas as marcações" nos consulados.
"A confirmar-se a circunstância de ser uma entidade externa a proceder ao agendamento e controlo dos dados, determina uma enorme falta de transparência, bem como impossibilita esta CPI [comissão parlamentar de inquérito] de avaliar se efetivamente o agendamento foi feito pelos pais das gémeas de forma regular", lê-se no relatório preliminar.