
Espólio do MNE inclui serviços de chá, taça de prata, um relógio e um telemóvel
PAULO SPRANGER / Global Imagens
China é a nação que mais oferece. Pandemia diminuiu ofertas de cortesia de países e de empresas. Ministério dos Negócios Estrangeiros recebeu 136 até 2019, mas de 2020 para cá só amealhou 29.
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A pandemia fez diminuir a quantidade de ofertas de cortesia dadas por países estrangeiros ou empresas ao Governo português. O caso do Ministério dos Negócios Estrangeiros é paradigmático: entre 2017 e 2019, foi o que recebeu mais prendas acima de 150 euros, a uma média de 45 por ano; mas, em 2020 e 2021, esse valor caiu para 14,5. O Ministério das Finanças, que antes ocupava o terceiro lugar da lista, também viu as ofertas decaírem com a chegada da covid-19. A Presidência do Conselho de Ministros (que inclui o gabinete do primeiro-ministro) estava no segundo posto em 2019, mas a secretaria-geral não respondeu ao JN.
Entre 2020 e 2021, o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE) recebeu 29 prendas acima de 150 euros (valor a partir do qual o destinatário é impedido de ficar com ela - ler P&R ao lado). Esse número revela uma queda drástica relativamente ao do período 2017-2019, quando tinham sido registadas 136 ofertas acima dessa quantia.
Ainda assim, há um dado que se mantém: a China continua a ser o país que mais prendas oferece. No caso do MNE foram seis, incluindo um telemóvel Huawei (à diretora-geral de Política Externa) ou um relógio Titan Raga (ao diretor para os assuntos da Ásia).
tapete com bicho
O segundo lugar em termos de generosidade para com o MNE não é ocupado por um país, mas sim por um credo religioso. O ismailismo, ramificação do Islão que tem Aga Khan como maior representante, deu cinco peças a membros deste ministério. Do total de 29 ofertas, só quatro vieram de países europeus (Rússia, Ucrânia, Hungria e Croácia), contra 18 de estados asiáticos.
Além das peças já mencionadas, destaca-se uma taça de prata dada pelo Camboja ao diretor para assuntos asiáticos ou uns botões de punho oferecidos pela Croácia, com destinatário desconhecido. Um país asiático ofereceu um tapete que chegou ao MNE com bicho e teve de ser deitado fora. As comunidades portuguesas também fizeram algumas ofertas, embora de baixo valor (como placas ou salvas comemorativas).
O maior destinatário das prendas ao MNE não é o ministro, mas sim o diretor para os assuntos asiáticos, que recebeu oito. A Augusto Santos Silva só foram enviadas cinco: uma peça dourada, duas molduras, uma caixa com perfumes e outra com artigos variados.
gabinete recheado
Também as ofertas ao Ministério das Finanças se tornaram mais raras com a pandemia, embora aqui a descida tenha sido menos acentuada. Entre 2017 e 2019, tinha havido 16 e, nos dois últimos anos, registaram-se 10. Também aqui a China domina, com duas ofertas.
Neste ministério, destaque para as prendas dadas ao ministro: das seis que recebeu, João Leão tem cinco expostas no gabinete ou prontas a lá serem colocadas (entre elas, uma serigrafia de Cruzeiro Seixas, dada pela CMVM, ou um prato da Vista Alegre, oferecido pelo grupo Visabeira). A única de que prescindiu foi uma peça de design dada pelo seu homólogo alemão.
Há outros ministérios com ofertas. O da Justiça, por exemplo, recebeu 40 desde 2020, mas todas abaixo dos 150 euros. Este ministério costuma receber peças feitas por reclusos na cadeia, por norma decorativas.
PERGUNTA E RESPOSTA
Por que razão os ministros não ficam com as prendas?
Tudo começou quando a Galp ofereceu bilhetes para o Euro 2016 a três secretários de Estado. NO mesmo ano, o Governo publicou um Código de Conduta e, agora, as prendas ficam à guarda das secretarias-gerais dos ministérios.
O que diz o código?
Visa garantir a "plena independência" dos governantes. "Existe um condicionamento da integridade do exercício de funções quando haja aceitação de bens de valor estimado igual ou superior a 150 euros".
O que acontece a quem não cumprir?
O incumprimento implica "responsabilidade política perante o primeiro-ministro", no caso dos ministros, ou junto do "membro de Governo respetivo", nos restantes casos. Em situações extremas, pode haver responsabilidade criminal.
Os governantes podem ficar com as ofertas inferiores a 150€?
Podem, mas desde o caso Galp ninguém arrisca. Fonte de um dos ministérios diz que se passou "do 8 para o 80". As ofertas acima de 150 euros podem ser usadas até ao fim dos mandatos.
