Reparações às ex-colónias: saiba os próximos passos da queixa-crime contra Marcelo
As declarações de Marcelo Rebelo de Sousa sobre a reparação às ex-colónias foram amplamente aproveitadas pelo Chega, mas a reação do partido de André Ventura poderá não surtir qualquer efeito. O primeiro sinal foi o chumbo do voto de condenação, esta quarta-feira. A queixa-crime também deve ter os dias contados.
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O que disse Marcelo Rebelo de Sousa sobre as ex-colónias?
Num jantar com correspondentes estrangeiros em Portugal, a 23 de abril, o presidente da República afirmou que Portugal tem a obrigação moral de indemnizar as antigas colónias portuguesas pelos crimes cometidos durante a guerra colonial. Citado pela Agência Reuters, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou que Portugal assume “toda a responsabilidade” pelos erros do passado e lembrou que os crimes, incluindo os massacres coloniais e a escravatura, tiveram custos. “Temos de pagar os custos. Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isto”.
Uns dias mais tarde, à margem da inauguração do Museu Nacional da Resistência e da Liberdade, em Peniche, o chefe de Estado defendeu que Portugal tem que “lidar o processo” de assumir as consequências do período do colonialismo e sugeriu o perdão da dívida, a cooperação e a concessão de financiamento como “formas de reparar”. “Não podemos meter isto debaixo do tapete ou dentro da gaveta”, afirmou.
Marcelo Rebelo de Sousa voltou a falar do assunto durante uma visita a Cabo Verde, no final do mês, e disse não se arrepender das declarações, insistindo na “reparação histórica” às ex-colónias.
O que motivou a queixa-crime do Chega?
As declarações iniciais do presidente da República, proferidas antes dos 50 anos do 25 de Abril, foram recebidas com críticas por parte de vários partidos, nomeadamente do CDS e da Iniciativa Liberal, mas foi o Chega quem assumiu o debate. Ainda antes do Governo se pronunciar sobre o tema, André Ventura afirmou, no Parlamento, que uma indemnização a qualquer ex-colónia seria “desonrar brutalmente” a História do país e ameaçou com uma moção de censura caso Luís Montenegro avançasse com algum tipo de compensação.
Já num comunicado de 28 de abril, o partido informou que iria avançar com um voto formal de condenação às declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, por considerar que representam “uma traição ao povo português e à sua História”. Depois de já ter ameaçado no domingo, André Ventura anunciou, na terça-feira, que o Chega vai avançar com uma queixa-crime inédita contra o presidente da República por “traição à pátria”.
O Chega teve apoio na condenação a Marcelo?
A condenação às declarações de Marcelo Rebelo de Sousa, votada esta quarta-feira na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, foi chumbada por todos os partidos, com exceção do Chega. Não será discutida em plenário.
Como reagiram os partidos ao voto de condenação?
Na Comissão de Assuntos Constitucionais, o Partido Socialista acusou o Chega de “jogatana política” e de querer difamar o presidente da República, afirmando que se a iniciativa não fosse um projeto de voto, nem teria sido admitida a discussão já que a Assembleia da República não pode condenar a presidência da República. “O Chega age conscientemente contra a honorabilidade do presidente da República”, considerou Isabel Moreira.
Também o PSD criticou a “cavalgada política” do Chega contra Marcelo Rebelo de Sousa. “Só por má-fé ou total ignorância se pode falar em traição à pátria por parte do presidente da República. Esta iniciativa não dignifica o parlamento. Se o Chega quer criar uma crise institucional, não conta com o PSD”, acrescentou Pedro Neves de Sousa.
O PCP também lembrou que o crime de insulto ao presidente da República “está previsto e é punido no Código Penal”, advertindo que pode estar em causa difamação agravada ao chefe de Estado. Do Bloco de Esquerda, Joana Mortágua lamentou que o Chega “brinque” com um assunto sério “como a traição à pátria para fazer guerrilha com o presidente da República”. O deputado Paulo Muacho do Livre disse que o projeto de voto é “mais um número do Chega” que revela “ignorância relativamente à nossa História”.
Apesar de considerar inadequadas as declarações do presidente da República sobre a reparação às ex-colónias, a Iniciativa Liberal afirmou que o chefe de Estado “é livre de expressar a sua posição”. “Não podemos entrar no jogo político do Chega”, concluiu Patrícia Gilvaz.
Quais são os próximos passos da queixa-crime no Parlamento?
A queixa-crime do Chega contra o presidente da República foi analisada, esta quarta-feira, na conferência de líderes e vai dar entrada até quinta-feira. Quando o requerimento der entrada será constituída uma comissão parlamentar especial que terá um prazo para elaborar um relatório. Jorge Paulo Oliveira, porta-voz da conferência de líderes, explicou que quando o documento estiver pronto “será obrigatoriamente objeto de agendamento, de discussão e de votação no prazo de 48 horas em sessão plenária”.
Ainda assim, a queixa-crime contra Marcelo Rebelo de Sousa tem os dias contados, uma vez que para ser aprovada teria de ter uma maioria de dois terços dos deputados.