Resistentes antifascistas no Porto fazem viagem ao passado e pedem à CDU para continuar a lutar
A comitiva comunista para as europeias passou a tarde desta quinta-feira a ouvir os resistentes antifascistas do Porto. Numa visita à antiga sede da PIDE, João Oliveira afirmou que a "luta pela democracia" continua a ser travada. O cabeça de lista da CDU recebeu centenas de assinaturas de ex-presos políticos.
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Ainda antes de entrar no Museu Militar do Porto, um grupo de militares pergunta a Maria José Ribeiro. "É para a CDU? Tem de entrar pela outra porta", diz um deles. A co-fundadora do Movimento Democrático de Mulheres e conhecida antifascista do Porto tem hoje uma responsabilidade em mãos: entregar as assinaturas de 153 ex-presos políticos para apoiar os comunistas. Para parte da comitiva da CDU, esta é a primeira vez que pisam a antiga sede da PIDE no Porto. Mas, para Maria José Ribeiro, este é um regresso ao passado. Esteve ali detida várias vezes.
Minutos antes da chegada do cabeça de lista da CDU às eleições europeias, João Oliveira, e do secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, a equipa do Museu Militar do Porto descreve a Maria José Ribeiro como vai acontecer a visita, o que vão mostrar e quantas escadas vão existir até ao destino. "Achava muito importante mostrar aquela exposição", afirma uma mulher que acompanha e ampara Maria José. Lá fora, à espera estão outros candidatos da CDU às europeias, como Mariana Silva, Francisco Calheiros e Manuel Loff.
Nada é escolhido ao acaso. Todos os anos, o desfile do 25 de Abril no Porto começa no Largo Soares dos Reis. Marcar presença perto da antiga sede da polícia política, no dia da celebração da Revolução dos Cravos, é uma homenagem a todos os que foram detidos por pensar diferente e ousar desafiar a ditadura. Mas João Oliveira vai mais longe: "É importante que se aprenda com a História de resistência ao fascismo. A nossa visita procura sublinhar a luta pela democracia que estamos a travar", disse aos jornalistas, para justificar a ida da CDU ao Museu Militar do Porto.
O cabeça de lista às europeias e o secretário-geral do PCP ouvem atentamente Maria José Ribeiro, que assume um papel de destaque na visita. A museóloga Alexandra Anjos confirma, a cada divisão do museu, se as informações que está a transmitir à comitiva comunista coincidem com a experiência da co-fundadora do Movimento Democrático de Mulheres, que ali esteve presa. Uma das vezes foi a 8 de março de 1962, no Dia da Mulher, por ter participado numa manifestação. "Também teve de pagar pela estadia cá?", pergunta a trabalhadora do museu. "Não", responde Maria José, quase atónita por sequer pensar que tal pudesse acontecer.
Viagens ao passado
No piso de cima, numa exposição sobre o 26 de abril de 1974, dia em que os presos políticos do Porto foram libertados, uma vitrina guarda um recibo de um recluso que pagou pela estadia na prisão. Manuel Loff, historiador e também candidato da CDU às europeias, salienta que foram os próprios presos a construir o campo de concentração no Tarrafal, em Cabo Verde. Pagar pelo tempo passado na PIDE só vem confirmar a natureza do regime fascista em Portugal, diz. "Eu, no caso deste edifício, desconhecia [esse facto]", clarifica.
Por entre celas, salas de interrogatório e de tortura, Manuel Proença, de 81 anos, ouve atentamente o que é dito aos candidatos da CDU. Também ele está a fazer uma viagem ao passado. O pai esteve ali preso "várias vezes" e, numa das detenções, foi encaminhado para o Forte de Peniche. O também militante do PCP, na altura com 14 anos, recorda com emoção uma visita feita ao pai por altura do Natal. "O pide que lá estava era simpático", conta ao JN. Até o cão da família deixou entrar, acrescenta.
Numa das celas dos reclusos, hoje adaptada e usada por alguns militares do Exército, Maria José Ribeiro tenta entregar a Paulo Raimundo as assinaturas de 153 ex-presos políticos que apoiam a CDU. "Entregue ao João", diz-lhe o secretário-geral do PCP. "Depois daqueles anos terríveis, o que nós queremos é que não volte a acontecer. As pessoas não percebem que é terrível a viragem à Direita, que está a acontecer por todo o lado", lamenta a mulher de 88 anos, animada por conhecer pessoalmente o secretário-geral do PCP.
Ao lado dos ex-presos políticos
A participação de Ursula von der Leyen, atual presidente da Comissão Europeia e recandidata pelo Partido Popular Europeu (PPE) ao cargo, na campanha da Aliança Democrática (AD), no Porto, também mereceu comentários de João Oliveira. "Fico muito satisfeito por ter hoje ao meu lado ex-presos políticos, lutadores pela liberdade e pela democracia, que resistiram ao fascismo e lutaram pela liberdade e pela democracia. Se outros preferem ter a companhia de quem aumenta taxas de juro, promove precariedade, eleva aos despejos, favorece os lucros das multinacionais, são opções que eles fazem", referiu aos jornalistas.
Hoje a morar no Largo Soares dos Reis, mesmo ao lado da antiga sede da PIDE, Manuel Proença confessa que não podia perder a visita da CDU no Porto. O militante comunista, que esteve exilado em França durante o Estado Novo, diz-se irritado pelo crescimento da extrema-direita em Portugal. "Não sei como é que as pessoas podem votar...não percebem o perigo", refere. Antes de seguirem para a arruada da CDU, na Rua de Santa Catarina, Manuel e a mulher reforçam as baterias num lanche perto de casa. Afastada do marido, a companheira deixa escapar um "sofreu muito", em alusão às detenções do sogro.
Já Manuel Proença deixa escapar um sorriso: "Quando era novo, passava por aqui [antiga sede da PIDE] e assobiava as canções do Partido Comunista. Eles [reclusos] assobiavam de volta, mas os pides não percebiam nada".